APL 710 Lenda da roseira branca
Essa roseira que vem
Ali florir e chorar,
Diz a lenda que tem
Uma história singular.
Abraçada àquela cruz,
Seja v’rão ou seja inverno,
Ela procura na luz
Morto amor, amor eterno.
Porque dizem os antigos
Que, em outros tempos passados,
Eram ali os perigos
Muito grandes, desusados.
Era só charneca brava
De espinhos assim tão altos,
Que o vulgo a procurava
De noite, para os assaltos.
Nunca floriam as rosas,
Os cravos, o malmequer,
E as fontes, sequiosas,
Acabavam por morrer.
Mas porquê? porque seria
Que tal se passava assim?
Foi o caso: — em certo dia...
A lenda mo diz a mim.
Foi o caso... que um rei mouro,
Pai de Aghar, morena linda,
Tinha ali o seu tesoiro
Feito de ouro e prata infinda.
Era tamanha riqueza
Guardada para quem fosse
Tão real como a princesa
E de olhar assim tão doce.
De quantos ali passaram
Nenhum ao pai agradou;
Os dias longos ficaram
E Aghar com eles ficou.
Mas tão triste e tão chorosa,
Tão longe de si, também,
Que a vida lhe foi penosa
Junto do pai e da mãe.
Mas um dia, certa vez,
Passou ali, por acaso,
Um valente português,
Cavalgando em campo raso.
Era um príncipe real
Solto das lides da guerra,
Que só buscava, afinal,
Paz e amor naquela terra.
A paz, talvez não tivesse,
Mas amor então achou,
Nos murmúrios duma prece
Que a princesa ali cantou:
“Vem donde queiras, amor,
“Lá de longe ou daqui perto,
“Traz-me, às horas do sol-pôr,
“As areias do deserto;
“Aquelas areias finas
“Da minha pátria de além,
“Onde as águas peregrinas
“De poucas, sabem tão bem...
Era doce, mais que doce
Aquele cantar tão triste,
Que, mesmo assim, talvez fosse
O amargor de quanto existe,
Desmontou o cavaleiro,
Nas voltas dessa vereda,
E se alguém buscou, primeiro,
Foi Aghar, numa alameda.
Tomou-a, leve, num braço;
Levou-a, depois, consigo;
E cada passo era um passo
Mais longe de qualquer p’rigo.
Mas... numa emboscada feita
Por Allah, que tudo vira,
Ao cristão, alma perfeita,
Pronto, a vida ali lhe tira.
Os ladrões, que mouros eram,
À voz de Allah, num momento,
Logo então ali puseram
Uma cruz por alçamento.
Também ao lado encantou,
P’ra sempre e de que maneira!,
A mulher que nunca amou,
A moira, numa roseira.
Foram os séc’los passando,
Hora a hora, dia a dia,
E a roseira, soluçando,
Seus longos braços abria
Para a cruz ali plantada,
De modo que nunca mais
Se viu dela despegada
Por abraços tão fatais
E inda hoje gente cristã,
Seja v’rão ou seja inverno,
Vê, ao romper da manhã,
Aquele amor sempre eterno
- Source
- LOPES, Morais Algarve: as Moiras Encantadas , Edição do Autor, 1995 , p.75-79
- Place of collection
- OLHÃO, FARO