APL 3220 O Milagre dos Peixes

A Ribeira do Faial é fulcro de uma lenda no sítio da chamada «Pedra da Pescaria», pequeno porto onde saltaram outrora os peixes libertos no Milagre da Virgem Mãe.
    Encontrada a Imagem da Virgem Nossa Senhora da Natividade sobre a Pedra da Pescaria, via-se no seu rosto o soriso misericordioso a abençoar na graça aqueles felizes pescadores que A acharam. Recolhida a Imagem na Igreja que logo Lhe construiram, as águas tocando nas paredes da Sua Casa, nunca se atreveram a molhar os degraus do Seu Altar.
    Certo dia, porém, o mar enfurecido começou em sua loucura de leão bravio a subir pela ribeira acima, sem respeitar obstáculos nem enxergar as amarguras dos homens que já choravam as desditas daquela maldição. Mas o milagre alegra as almas e faz as gentes se derreterem em lágrimas pela comoção da fé que logo as abrasa no fogo! A poucos passos da porta da igreja as águas do mar se detiveram como em adoração em frente da Senhora. Depois desceram sem mais pressas, acariciando as pedras como num beijo de despedida e amizade. Então, à vista dos homens deixa-se ver um muro espesso de peixes de todas as cores e tamanhos, cabeças no ar como a aguardarem a benção do céu, os seus rabos a acenarem como a festejarem-se pelo louvor que da Senhora mereciam. O povo, os homens certeiros em que o mar recolhera ao seu legítimo leito, e de que já se não tornava mais dali, atreveu-se então a ir pescar esses peixes que no seco da ribeira ficaram como a vigiarem a igreja contra alguma invasão das águas. Avançaram homens em direcção ao mar, alguns mais afoitos estendiam mesmo já os braços para os apanhar. O mar tomando-se de nova fúria, entra pela terra, subindo as suas águas até invadirem o muro da pescaria e a todos tomando numa carícia de amor, e sem bulir em nenhum dos atrevidos, regressam com todos os peixes novamente ao mar».

(In “Cousas da Madeira’’, págs. 414 e seg.)