APL 1226 O boi enfeitado

Há anos, no lugar dos Anjos, havia um imperador das festas do Espírito Santo que era pobre e não tinha carne para dar no dia da festa como era costume. Resolveu pedir esmolas e, tanto fez que sempre conseguiu levar metade de uma vaca pequena para a copeira. Estava muito contente porque, embora não fosse muita abundância, tinha alguma carne para servir com as sopas.
 De noite aconteceu uma coisa inesperada. Alguém foi roubar a metade da vaca e o imperador, no outro dia de manhã, quando chegou à copeira ficou desesperado por lhe faltar a carne. Foi logo a chorar rezar a Nossa Senhora e nas suas orações perguntava como é que ia fazer o Império se não tinha carne nenhuma e já estava na véspera da festa.
 O dia foi passando, o mordomo estava neste sofrimento e sem saber o que fazer. Lá pelo meio-dia, sem que ninguém visse de onde tinha vindo, apareceu um boi muito gordo a berrar no adro, todo enfeitado, como em algumas ilhas costumavam fazer aos bois que iam ser mortos para o Espírito Santo.
 Um dos ajudantes, depois de todos os que ali estavam perguntarem uns aos outros de onde vinha o boi, como tinha vindo ali parar é de quem era, disse decidido:
 — Não temos mais que esperar. A gente vai mas é matar este boi.
 — E o dono? - perguntou o imperador que era um homem sério.
 — Olha, guarda-se o coiro e, se aparecer o dono, sempre se há-de arranjar coisa pra pagar.
 Uns concordaram, outros não, mas, sem outra solução, acabaram por matar o boi e guardaram o coiro para identificar o animal, caso o dono aparecesse.
 Fizeram o Império, houve muita abundância de carne, tenra e saborosa como nunca se tinha provado.
 Passou o dia da festa, muitos outros foram correndo e todas as pessoas esperavam que mais dia menos dia o dono aparecesse. Mas nunca alguém veio reclamar o boi. O coiro, guardado para identificação, apesar de tratado, sumiu-se, nada restando a testemunhar a presença do boi, a não ser a lembrança das pessoas que nunca mais esqueceram o acontecimento milagroso.