APL 2168 [O Senhor Jesus de Alvor]

Não se sabe quando a Imagem do Senhor Jesus de Alvôr começou a ser venerada nesta freguesia. De remotas edades corre uma lenda com relação ao maravilhoso apparecimento d’aquella piedosa Imagem, lenda que tem os seus pontos de semelhança com a do Senhor Jesus de Mattozinhos.
 «Estavam alguns maritimos de Alvôr pescando no seu mar, e viram ao longe rolar sobre as aguas, vindo de muito distante, um caixão, que se ia aproximando das praias de Alvôr. Ficaram atonitos e estupefactos os maritimos com o que viam, por isso que o caixão parecia obedecer a um impulso intencional porque seguia uma linha recta em direção da praia.
 Acompanharam os maritimos em seus pequenos barcos e a respeitosa distancia o caixão, e quando viram que este se achava varado na praia, sairam dos seus barcos e correram á povoação a contar o que tinham visto. Voltaram logo á praia acompanhados de toda a povoação e foi-lhes muito difficil abrir o caixão, mas, quando aberto, ficaram muito surprehendidos de ver a doce Imagem do Senhor Jesus. Ficaram indecisos, não sabendo se deviam receber a Imagem no seu templo, se deviam esperar instrucções de alguem; mas quando iam tirar do caixão o Senhor, encontraram um letreiro, que dizia: SENHOR JESUS — PRAIAS D’ALVÔR.
 Ficaram todos contentissimos com aquella dadiva, que todos suppozeram partir do ceu. Dissemos que esta lenda tem pontos de semelhança com a lenda do Senhor Jesus de Mattozinhos, mas com a difíerença de que Mattozinhos se orgulha de possuir a primeira Imagem de Christo, pintada por Nicodemos, ao passo que Alvôr, mais poeta ou mais mistico, vendo rolar o caixão sobre as ondas do seu mar, se lembrou talvez das palavras — o Espirito de Deus era levado sobre as aguas — e se convenceu de que fôra o proprio Deus que lhe enviara o seu querido Senhor Jesus, que, segundo antigas tradições, começou logo a operar grandes maravilhas, taes e tantas, que o povo de Portimão resolveu, numa noite, roubar a Alvôr a sua santa Imagem.
 Nesse intento prepararam um carro, entraram de noite em Alvôr, collocaram a Imagem sobre o carro e conduziram este a duas juntas de bois. Tudo correu bem até o sitio das Morticeiras, que marca os limites das duas freguesias; mas por maior que fossem os esforços de muitas juntas de bois que jungiram ao carro, auxiliados pelos que tinham empenho em fazer o roubo da Imagem, o carro não avançou um passo e os ladrões, envergonhados, foram immediatamente conduzir a Imagem para Alvôr, afim de que este roubo não fosse jamais sabido.
 E’ esta a lenda que nos foi contada ha mais de cincoenta annos e que ha dias nos foi repetida. Ha apenas uma pequena alteração em dois logares: 1º, na lenda que nos foi contada ha cincoenta annos, dizia-se que na tampa do caixão vinha escrito em letras maiusculas; Senhor Jesus — Praia d’Alvôr; 2.°, na lenda dizia-se que a imagem do Senhor Jesus tinha sido roubada quando ainda na praia, embora não se tirasse fructo do roubo, porque o Senhor Jesus não quiz passar o sitio das Morticeiras, ao passo que na lição ultimamente recebida parece deduzir-se que o facto succedera quando a Imagem já estava no seu altar, e quando já havia fama dos grandes milagres operados.
 E’ ler a historia das Imagens de maior devoção para se ficar conhecendo a facilidade com que os fieis generalizavam as lendas pias, e mutuamente as aplicavam ás suas exclusivas Imagens.

Source
OLIVEIRA, Francisco Xavier d'Ataíde A Monografia de Alvor , Algarve em Foco, 1993 [1907] , p.190-192
Place of collection
Alvor, PORTIMÃO, FARO
Narrative
When
20 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography