APL 1378 O Dia de Cornos

No século passado e ainda neste século, em várias freguesias do Pico e principalmente em S. Mateus, era muito festejada a Festa de Cornos, no dia de S. Marcos, que se celebrava a vinte cinco de Abril.
 O Terreiro do Paço de S. Mateus era o ponto de partida para os festejos profanos e religiosos daquela freguesia. Dali saíam para a igreja, em procissão, e levavam uma coroa com um corno na ponta. Na igreja havia uma série de exéquias e a principal era a bênção da coroa com que se coroava depois os homens casados.
 Um certo ano, o padre não aceitou que se continuasse a fazer na igreja a festa do Dia de Cornos e, a tempo, disse do púlpito, para que todos o escutassem:
 — Este ano, no dia de S. Marcos, está proibido trazer a coroa de cornos para a igreja e fazer, cá dentro, qualquer outra celebração religiosa relacionada com essa festa.
 O povo teve que aceitar a decisão. Mas a festa de Cornos era muito divertida e, chegado o dia vinte cinco de Abril, os homens juntaram-se no Terreiro do Paço com o mordomo e o escrivão da festa para irem, ao menos, correr a freguesia e coroar todos os casados mesmo que não fosse com uma coroa benta.
 Entretanto o padre e alguns fiéis tinham ido para a igreja para a festa de S. Marcos, já purificada e livre de sacrilégios. Lá dentro rezavam tranquilamente de porta aberta para quem quisesse entrar.
 Nisto, uma rês entrou na igreja e foi ajoelhar ao pé do padre para que fizessem os rituais que eram habituais na Festa de Cornos.
 Todos ficaram de boca aberta, pasmados, e viram naquilo um aviso de que a Festa de Cornos era bem vista pela Providência. Isto é verdade como eu estar aqui sentado neste banco. Mas o padre manteve a sua opinião. A Festa de Cornos passou a ser apenas profana, mas ganhou ainda mais brilho. Alguns homens iam com búzios, apitos e assobios pelas ruas, fazendo uma barulheira medonha, enquanto um incensava, com raspa de corno sobre brasas, os homens casados ou cornos que encontravam. Estes ajoelhavam no chão e eram coroados. O escrivão riscava o nome no rol e lá continuava a procissão para que todos os casados da freguesa fossem coroados. Os solteiros, chamados burros, não podiam ser coroados e ficavam a apreciar a festa até serem também casados.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias , Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.220
Place of collection
São Mateus, MADALENA, ILHA DO PICO (AÇORES)
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography