APL 3279 Da milagrosa Imagem de nossa Senhora do Rosario da Restauraçaõ, que se venera na sua Ermida do Grilo
Depois daquelle memoravel Sabbado primeiro de Dezembro do anno de 1640. porque se obrou aquella heroica acção da felice acclamaçaõ do Serenissimo Rey Dom Joaõ IV. de saudosa memoria, sahiraõ varios fidalgos a render as fortalezas, q’ à Cidade de Lisboa ficavaõ visinhas. Hum destes foy Dom Gastaõ Coutinho, que tinha sido hum dos quarenta que concorrèraõ para a liberdade da Patria, tirando o Reyno de Portugal da sojeiçaõ de Castella, restituindo-o à Serenissima Casa de Bragança, a quem havia tantos annos estava usurpado. A este Fidalgo tocou ir render a fortaleza de Cascaes, em que depois do grande trabalho que de taes acçoens se origináraõ, entrou dentro nella em os dez do mesmo mez, & anno. E tratando de ir dar as graças, a quem pelo bom sucesso do rendimento se deviam; foy à Ermida da mesma fortaleza, em cujo Altar achou hũa Imagem de nossa Senhora do Rosario, (que he a mesma que hoje se venera na Ermida do Grilo, entre o Convento de S. Francisco de Xabregas, & os do Monte Olivete de Agostinhos Descalços, & Agostinhas Descalças) à qual depois de lhe dar as graças peça merce que Deos lhe tinha feito de lograr aquella facçaõ tam desejada; pedio favor à mesma Senhora para a continuaçaõ da começada empresa da acclamaçaõ, & restauraçaõ do Reyno, prometendolhe que se lhe desse bom sucesso nella, lhe faria hũa Casa aonde com mais decencia fosse venerada.
Feito este voto, q’ D. Gastaõ Coutinho naõ communicou a pessoa algũa, tomou a Imagem da Senhora do Altar, naõ como despojo do inimigo; mas por premio da vitoria, (deixando em seu lugar outra que para isto mandou fazer logo) & a mandou a sua mulher D. Isabel Ferràs, para que a collocasse no oratorio da quinta do Grilo, que era de seu conhado Francisco Gonçalves da Camara, & Atayde, aonde ella entaõ morava. Vencida de todo à fortaleza de Cascaes, se recolheo D. Gastaõ à sua casa, donde logo ElRey D. Joaõ o mandou por General da Provincia de entre Douro, & Minho, para onde partio no primeiro de Janeiro de 1641. aonde assistio com a mesma occupaçaõ atè o fim do anno de 1642. Na referida quinta do Grilo deixou a sua mulher, em cujo serviço havia huma moça muyto simplez, mas muyto devota de nossa Senhora, a quem o tempo occultou o nome, deixandolhe só o de Antunes, com q’ sempre entre a gente da casa era nomeada. Era esta moça natural de Lisboa, & nascida na freguesia de Santa Justa: a ella appareceo a Senhora por repetidas vezes, & lhe mandou dissesse a D. Gastaõ Coutinho, que satisfizesse a sua promessa, edificandolhe a Casa que lhe prometèra. Naõ se achava a moça Antunes digna da embaixada, & assim com sinceridade disse à Senhora que elegessea outra pessoa; porque a ella lhe naõ haviaõ de dar credito. E como para manifestaçaõ de suas maravilhas queria Deos, & a Senhora, que a sincera moça fosse a mensageira, lhe tornou a dizer a mesma Senhora, que o fizesse; porque se lhe havia de dar inteiro credito.
Na manhã do dia seguinte, acháram a Santa Imagem sobre a cama da moça, tendo a Senhor as contas do pescoço, & tres voltas em hum braço da mesma moça. Divulgouse o sucesso pela casa, & visinhança, chegando a noticia aos Conventos de Sam Francisco de Xabregas, & ao de Sam Bento, que fica mais adiante do sitio em que depois fundáraõ os Agostinhos Descalços, & todos em pouca distancia da quinta do Grilo. Vieraõ os Religiosos delles com grande concurso de povo, & em procissaõ leváraõ a Santa Imagem da camera em que a moça dormia para o oratorio das casas, aonde a collocaraõ como de antes estava, & alli repetidas vezes a viraõ suar, & fazer muytas maravilhas; porque deu vista a cegos, sarou coxos, & aleijados, & deu saudo a muytos enfermos; que vindo de romaria à Senhora, & untandose com o azeite da sua alampada, voltavaõ livres das enfermidades que padeciaõ.
Deuse aviso a D. Gastaõ Coutinho, o qual para dar credito a tantas maravilhas, lhe bastou ver praticar em publico o voto, que elle a nenhũa pessoa havia communicado, & só o conversavava em seu coraçaõ. Adoeceo a moça Antunes gravemente em o principio do anno de 1643. (que foy o mesmo em que D. Gastaõ se recolheo da Provincia de entre Douro, & Minho) & a rogos de hũa tia com quem se havia criado na mesma casa, se foy com ella para a Cidade, para là se haver de curar da doença, que se lhe aggravou de forte, que della veyo a morrer, & pouco antes da sua ultima hora, mandou dizer a D. Gastaõ Coutinho, q’ se naõ queria edificar a nossa Senhora a Casa que lhe prometèra, tornasse a levar a sua Imagem à mesma parte donde a tirára. Vendo elle que o admoestavaõ do que a ninguem tinha dito, quiz logo dar principio à Ermida, & vendose perplexo na escolha do sitio que seria masi a proposito para a edificaçaõ; nesta sua indeliberaçam se sentio hum tremor de terra, & se viraõ milagrosamente abertas hũas covas, que mostravaõ ser os alicerces da nova Casa, que a Senhora queria naquelle sitio, em que hoje se vè a Ermida, que entaõ era hum quintal daquellas mesmas casas, & quinta do Grilo. A qual logo Francisco Gonçalves da Camara & Atayde, & sua mulher D. Phelippa Coutinho irmãa de D. Gastaõ offerecèraõ à Senhora para edificaçaõ de sua Casa, entendendo que aquelle sitio era escolhido pela mesma Senhora do Rosario.
- Source
- AGOSTINHO DE SANTA MARIA, Fr. Santuário Mariano , Imperitura, 2007 [1711] , p.Tomo I, Título XXXVIII, PP. 195-198
- Place of collection
- PORTO, PORTO