APL 1473 Da Imagem de N. Senhora do Valle de Santo Eloy

The image cries when carried away from her altar to be dressed in the house of a rich lady, signalling her wish not to be taken.

Nesta Igreja pois chamada antigamente de Sam Paulo, & depois de Santo Eloy, por haver nella hũa Capella deste Santo Bispo, se venera hoje com grande culto, & reverencia hũa devota, & muyto milagrosa Imagem da Rainha dos Anjos, com o titulo de nossa Senhora do Valle: cuja origem he nesta maneira. No sitio, ou valle de Roncesvalhes, (celebrada veiga do Reyno de Aragaõ pela memoravel vitoria, que contra Francezes nella alcançou Bernardo del Carpio) havia hũa Ermida, aonde estava collocada hũa devota Imagem da Mãy de Deos; romagem universal naquelles tempos de todo Aragam, pelos muytos, & admiraveis milagres, & maravilhas que a Senhora alli obrava. Muytas vezes se ouviraõ naquelle sitio, & casa da Senhora vozes de Anjos, que cantavaõ em louvor da sua Rainha Soberana, a Salve Regina. O titulo com que entaõ a invocaçaõ era o da Conceiçaõ. Daquelle Reyno, & daquella sua Ermida trouxe esta Santa Imagem para o nosso Portugal (pela singular, & cordeal devoçaõ q’ lhe tinha) a Rainha D. Leonor, mulher delRey D. Duarte, & filha de D. Fernando I. Rey de Aragan, & de Sicilia, Princesa muyto celebrada por suas grandes virtudes, & prudencia, no anno de 1437. Depois de estar em Portugal, attendendose ao lugar, ou sitio de Roncesvalhes, aonde primeiro fora venerada, lhe puzeraõ o titulo da Senhora do Valle.
    Muytos annos esteve na Matriz do Castello, aonde a Rainha D. Leonor a mandou collocar, para a ter mais perto de si, pela assistencia que os Reys entam faziam no Palacio de Alcaçova, até que com sua mudança para os Paços da Ribeira, & jornada que a Rainha fez para Castella, ficou a Santa Imagem esquecida, & menos venerada. Sabiaõ os Conegos de Santo Eloy a grande veneraçaõ, em que a devota Rainha sempre tivera aquella Santa Imagem, & juntamente os seus milagrosos, & antigos principios, & assim se resolvèraõ a pedilla, para a terem na sua Igreja com aquelle culto, que lhe era devido: conseguiraõ-no, & assim a trouxeraõ da Igreja de Santa Cruz para a do seu Convento com grande pompa, & solemnidade. Collocáram-na em huma Capella da Igreja velha, que ficava junto à porta da Via Sacra, que era dedicada ao glorioso Sam Joseph. Alli esteve sempre com grande veneraçam, a qual cresceo depois muyto mais com as muytas, & grandes maravilhas, & milagres que a fé dos devotos experimentava, & recebia por sua intercessaõ, & patrocinio.
    As maravilhas, & os milagres excitáraõ tanto a devoçaõ dos Religiosos do mesmo Convento, que se resolvéraõ a lhe erigir entre si hũa devota Irmandade, para o que concorreo tambem o grande fervor, & devoçaõ do M.R.P. Doutor Gregorio dos Anjos, que depois morreo primeiro Bispo do Maranhaõ, & outros muytos Religiosos Padres daquella Casa, como foy o devoto Padre Manoel do Espirito Santo, & outros Religiosos, todos naturaes de Lisboa. Celebravamlhe a sua festa no dia de sua Natividade, para o que concorreraõ com esmolas possiveis, & competentes a hũa plausivel celebridade, em que faziaõ procissaõ pelo claustro com o Santissimo Sacramento, & elegiaõ todos os annos por juiz da festa ao glorioso Ulyssiponense Santo Antonio, levando-o na procissaõ em seguimento do Santissimo Sacramento, posto em hum andor, com vara de prata na maõ direita, demostradora do Juizado, & na outra o Menino Jesus. Assim continuou esta festividade, sempre devota, & aumentada.
    Pelos annos de 1681. succedeo que sendo Sacristaõ mòr do mesmo Convento o Padre Ambrosio da Conceiçaõ tambem natural de Lisboa, & alumno tambem da mesma Irmandade da Senhora; havendose de fazer a festa por dia da Natividade, como era costume, se havia de vestir a Imagem para se collocar no Altar mòr; obsequio que repetia D. Archangela, mulher de D. Joaõ de Castro Telles com duas devotas Donas: & por estar hũa dellas extremosamente enferma, chamada Isabel da Silveira, se suspendeo o virem à Igreja, como costumavão, vestir a Senhora. Nestes termos arbitrou o Padre Manoel do Espirito Santo, que se levasse a Imagem da Senhora na antevespora da festa a casa da devota Aya, para de là vir vestida; o que impugnou o Padre Sacristaõ mòr, dizendo, que aprecia indecencia levar a Santa Imagem fóra da Igreja, quando outra qualquer devota a viria nella compor: mas prevalecendo o arbitrio de que à dita fidalga D. Archangela se mandasse, para continuar no obsequio de vestilla, se executou assim.
    Succedeo que vestida a Santa Imagem, veyo hum Sacerdote Capellaõ da mesma Casa, & disse ao Padre Sacristaõ mòr, com grande alvoroço, todo infiado, attonito, & cor mudada; que fossem a toda a pressa a casa de Dona Archangela, porquanto a Imagem da Senhora do Valle jà estava vestida, & ornada, & se haviaõ admirado em seus olhos algũas lagrimas com espanto de toda a gente de casa. Deuse parte ao Padre Reytor Antonio da Madre de Deos Chichorro, que com os mais Padres do Convento, & muytas pessoas visinhas, foraõ logo à referida casa, & todos igualmente observaraõ as lagrimas vertidas da cor do alambre; o que visto, & admirado, trouxeram a milagrosissima Imagem em procissaõ solemne, cantando ao Omnipotente Deos louvores, & hymnos em acçaõ de graças. Naõ deve a pidedade dos fieis negar o credito a semelhantes maravilhas; porque de exemplos destes andaõ cheyas as historias: dispondo o Ceo, para a gloria da Senhora, & confusaõ nossa, que com estas demonstrações se publico o seu empenho, & se desperte o nosso descuido.

Source
AGOSTINHO DE SANTA MARIA, Fr. Santuário Mariano , Imperitura, 2007 [1711] , p.tomo I, parte I, Ch. XXXVII, pp. 186-194
Place of collection
ÉVORA, ÉVORA
Narrative
When
18 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography