APL 3317 Matta-Mourisca

Em 1620, os moradores d’estas quatro aldeias [Outeiro, Martinho, Seixo e Casal da Serra], resolveram construir uma ermida dedicada a Nossa Senhora da Guia, para della lhes serem administrados os sacramentos.
Era um templosinho pobre, como pobres eram os que o mandaram construir, que só eram ricos de devoção, á Santissima Estrella dos navegantes (Ave Maris Stella).
    […]
    A imagem foi feita por um tal Francisco Henriques, morador na villa da Redinha, que se dizia esculptor, e era natural de Leiria. Sahiu pois a imagem cheia de imperfeições e de pessima esculptura em todas as suas partes (mas depois foi aperfeiçoada por um bom esculptor que lhe tirou os defeitos que poude).
    Foi levada da Redinha para a sua capella, no mesmo anno de 1620, por Antonio Fernandes Malho, do Casal dos Francezes. Ainda a capella estava por acabar, pelo que a imagem foi depositada em casa de Martinho Fernandes do mesmo logar, e ahi esteve até hir para a sua casa.
    Segundo a lenda, emquanto a Senhora esteve em casa de Martinho Fernandes, teve elle e sua familia muita ventura em todas as suas coisas, e por muitas vezes se viram alli luzes sobrenaturaes e se sentiram odores suavissimos.
    Concluida a capella, foi para ella levada a Senhora; mas, como os povos d’aqui eram pobrissimos, não se chegou a fazer-lhe altar, nem a padroeira era conhecida senão da gente da freguezia, que apenas nas ladainhas de maio aqui vinha com o parocho de S. Mamede, em procissão.
    Nas ladainhas de maio de 1675, estando a dizer-se missa, viram os que a ella assistiam, que da imagem manava um suor copioso, o que lhes causou grande admiração.
    Correu a fama d’este milagre, em que os que o não viram não acreditavam. No dia 18 de dezembro do mesmo anno (dia da Expectação de Nossa Senhora, ou Nossa Senhora do Ó) em que se fazia a festa da Santissima Virgem n’esta ermida, a ella concorreu muita gente; e estando á missa, todos viram o mesmo milagre, mas sendo então o suor ainda em maior cópia.
    Em breve a fama do milagre percorreu por todas as freguezias circurnvisinhas, e grande foi a concorrencia de povo que veio á capella, uns por devoção e outros por curiosidade. No sabbado posterior á festa, estando a capella cheia de gente, se repetiu o milagre, ficando todos d’elle desenganados e apregoando-o por toda a parte.
    Em todos os sabbados que se seguiram, foi continuado o milagre, o que augmentou progressivamente a devoção dos povos para com esta Senhora.
    […]
    Noventa e nove vezes suou a Senhora no espaço de quatro annos, o que foi visto por mais de cem mil pessoas, e d’isto mandou fazer um summario o referido bispo.
    Estes suores duravam de 4 a 6 horas, com a circumstancia de que, emquanto suava, estava muito encarnada, e depois se tornava branca.
    Emquanto a Senhora suava, tambem do tecto da capella manava muito suor, a ponto de molhar os circumstantes.
    Cessou a maravilha em 1680, succedendo-lhe annos de fome e calamidades.

Source
PINHO LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de Portugal Antigo e Moderno , Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, 2006 [1873] , p.Tomo V, pp. 131-132
Place of collection
Mata Mourisca, POMBAL, LEIRIA
Narrative
When
17 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography