APL 1359 Uma gueixa para o Espírito Santo
Corria a semana do Espírito Santo de um dos anos do princípio do século vinte e um homem abastado da Ribeira Seca ia dar um gasto muito grande.
Na casa, a mais rica da Canada da Ribeira, havia uma grande azáfama. Os homens e as mulheres da vizinhança todos tinham sido convidados para ajudar. Já estavam a cozer há dias, a fazer bolos de véspera, tinham matado algumas reses, mas chegando ao sábado do Espírito Santo, viram que, ia faltar carne. O mordomo queria cumprir a promessa como devia e queria abundância como nunca se tinha visto. Se ele tinha muito porque havia de estar a poupar com o Espírito Santo? Mandou então um criado com alguns homens a uma pastagem onde tinha várias gueixas. Disse que escolhessem a mais gorda de todas, que a matassem e tirassem a carne necessária, mas que não se demorassem pois ainda tinham que pôr a carne a arrefecer para depois ser cozida.
Os homens assim fizeram. Mataram a gueixa mais bonita mesmo na pastagem, esfolaram só um quarto do animal, tiraram a carne e deixaram o resto da rês morta ali. No dia seguinte, com mais tempo haviam de voltar para aproveitar o resto da gueixinha.
A festa foi muito bonita. Os foliões entoaram os seus cânticos. Houve missa cantada e coroação. Ricos, remediados e pobres, todos comeram à mesma mesa e consolaram-se com as sopas e a carne que foi servida em abundância.
No dia a seguir, o criado e os homens lá voltaram à pastagem para aproveitarem o resto do animal. Mas ao chegarem ao lugar, o que haviam de ver: A gueixa não estava morta no chão como a tinham deixado. “Talvez os cães a tenham arrastado” — pensaram.
Mas, não. Quando a procuraram com os olhos pela pastagem, lá estava ela a andar junto com as outras e a “rapujar” com mansidão a erva tenra, como se nada lhe tivesse acontecido. Apenas no lugar do quarto onde a pele e a carne tinham sido tiradas, havia um sinal do sucedido: a cor da pele ali era mais branca.
O resto da vida a mancha lá ficou a lembrar o milagre que o Espírito Santo tinha obrado ao ver a generosidade do mordomo que era rico, mas tinha muita fé e bom coração.
- Source
- FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias , Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.195-196
- Place of collection
- Ribeira Seca, CALHETA DE SÃO JORGE, ILHA DE SÃO JORGE (AÇORES)