APL 445 Vida de nossa senhora
Sã Juquim e Sant’Ana no tinham familha e vei-l’aquela menima por mei de ma flor. A menina era muita linda, como nunca houve nim haverá. À idade de set’anos mandaram-na prà escola e a menina cando lá intrava alumiéva tudo. A professora muito contente co ela:
— Ai que menina tã linda-i-esta! Précurou-le Sant’Ana: — A menina aprende bem? — A menina inda sabe mai do qu’eu. O que tenho é muito desgosto: saem as crienças ò recreio e todas brincam e só ela não e tenho desgosto dela no brinquér.
Foi a mãe de Nossa Senhôra e diz-le:
— Atã, filha, a tu professora gosta tanto de ti qu’alumias a scola e no queres brinquár co as crienças?
— Ê no quero brinquér proque do seio da professora há-de sair quem o meu há-de ferir. E de mim há-de nascer o radantor do mundo. Só se parderão asqueles que se no quejéram salvar. E do seio dela há-de sair Judas qu’é quim há-de vander Noss’Senhôr. A professora nacê Judas dela para vander Noss’Senhôr por um beijo.
A menina foi crecendo e sempre muita linda tchegou à idade de se casar e saí da scola. Andava co pai e ca mãe. Lovavam-na às festas. A menina tchegou a ter vinte cinco pretindentes a um tempo. Vinham das ilhas e de toda a parte do mundo ca fama dela. Dou a mãe im ir co ela às festas dos judeus e houve ma festa de três dias, se calhar era a Páscoa, e lovaram-na. Foram rapazes vinte cinco sobr’ela. Lá tchegaram e o Padre Iterno dixe:
— Aquele que pretinder Maria venha àmanhém à missa do dia e traga cada um ma vara.
Os rapazes saíram dali e foram na arranjar cada um su vara. Lovaram atão as varas e só a quem floriu a vara? Ô mai vêlhinho, à Senhôr Sã Joséi. Lá tchegaram e o Padre Iterno casou-o. Ela tinha quiuze anos e era muita linda, e foram-na morar pra Nazaréi. O Senhôr Sã Joséi, sposo da Virgem Santa foi, c’aquela flor. Nunca introu no quarto da Virgem Santíxema. O quarto stava sempre alumiédo e Nossa Senhôra stava na oração, e vei um anj’e anunciou-a.
Vei atão a pumbinha do Sprito Santo, e há quim diga que foi cuncebida por um braço. O anjo tchegou à pé da Santíxema Virgem e dixe-le:
— Maria, darás um filh’à luz.
— Ê duvid’a ser mãe pra no parder a mnha vergindade.
— Sarás virgem antes do parto, sarás virgem no parto e sarás virgem depoi do parto. Fecarás sempre virgem.
E ela respundeu:
— Ês’m-aqui scrava do Senhôr. Faça-’s’im mim segund’a palabra do Senhôr.
Dou im le crecer o ventre e o senhôr Sã Joséi dou im descoafié-la e dou queixas à mãe. E a mãe dixe à filha:
— Atã, filha, o tê marido dou-me queixas de ti?
E ela respundeu:
— Mãe que marmur’à filha, nim tem vésperas fim se le guard’ò dia.
Sã Joséi pôs a farramenta toda com que governava a Virgem Santíxema, meteu tudo drento de ma cesta e pose-a-às costas e deixév’à Virgem Santíxema. Vei’um anjo: — Joséi, bolta atrás. Maria concebiu por obra e graça do Sprito Santo.
O Senhôr Sã Joséi foi otra vez a arrumér-s’à Santíxema Virgem. Termenéram a irem duzentas léuguas a vegitérem a prima Isabel qu’andava pejéda de Sã Zacarias pra ter Sã João. Tchegaram lá, e a mãe nunca pôde saber o segredo da filha star concebida do Sprito Santo. A prima Sant’Isabel, apenas incarou co ela:
— Maria, Maria, darás um filho à luz que se tchamará Jasus; avém Maria teheia de graça, o Senhôr é contigo.
Injoelhou-se Sã João no ventre de Sant’Isabel, a adoraram-se um ò outro. A mãe da Virgem Santa no pôde ter essa graça e a prima teve-a. Nacê Sã João Batista, e quem l’asseti foi a Virgem Santa. Odepoi, camenhou otra vez pra Nazaréi a dali camenhéram pra Belém. Nossa Senhôra dou im andar cada vez mai pesada e resolveram na irem nos dois pra Belém.
— Joséi, leva-m’a Belém.
O Senhôr Sã Joséi camenhou e a Virgem Santíxema a cavalinho num burrinho branco. Deram im aproxemarem-s’as dores e dixe Nossa Senhôra:
— Êlha, Joséi, vai além à stalaija de Bélem que mos dêam poséda.
O Senhôr Sã Joséi, muit’apaixonado de no le darem poséda. Tchegou à péi da Virgem Santíxema e lá le dixe. Camenhéram n-àtra vez e tchegaramna um retábio:
— Joséi, fequemos aqui. Já daqui no posso passar. Intraram atão pra ma cabana d’anemais e ali onde stava ma mula, ma vaca, ali dou o Menino Jasus à luz. Houve ma nuiva d’anjos:
— Nacê o Rê do reis im Belém.
Correram-nos pastorinhos; cada um lovava o sê borreguinho, o sê convite à Virgem Santa. Os Trê Reis Magros, que stava cada um im sua nação, combenéram pra irem nó nacemento do Rê do reis. Tchegarãmnà porta do rei Herodes, cada um a cavalo no sê camelo. Foram doudze dias por áugua. Tchegaramnà porta do rei Herodes guiédos por ma strela e o rei dixe-le:
— Adonde ides?
— Vamos a vejetér o Menino Jasus, o Ré do reis que naceu im Belém.
Foi a ver a sagrada Scretura e dixe:
— Ide, e à vinda víndeis por aqui.
Eles tchegaram e pormeteram que sim e viram o Menino im palhinhas à colo de su mãe. Tchegaram e caíram de joelhos e intragaram os sês presentes. Um deles lovava mirra e outro lovava incenso e outro lovava ouro. Boltaram prà horta do rei Herodes, mas a strada boltou-se-le e já lá no puderem tchegar. O rei Herodes andou, convedou os melitéres pra ver se matavam no Menino. Mandou ajuntér as crienças todas intéi à idade de dois anos no pátio dele. A gente do povo pinsava qu’era pra dar um convite bom òs meninos. Arranjaram-le vestidos pra s’apresentarem im casa do rei. Lá os melitéres detéram as spadas à cabeça e as mães fequéram c’o corpo e as cabeças caíam pró tchão.
- Source
- BUESCU, Maria Leonor Carvalhão Monsanto, Etnografia e Linguagem , Editorial Presença, 1984 [1958] , p.125-126
- Place of collection
- Monsanto, IDANHA-A-NOVA, CASTELO BRANCO
- Informant
- Antónia Zefa (F), Monsanto (IDANHA-A-NOVA),