APL 523 Mina D’el Niño

Uma espanhola tinha vários filhos, o mais novo dos quais orçava por quatro anos. Disfrutava essa espanhola um hortejozinho nas plainas de Palhais, em frente da Adiça, e todos os sábados à tarde fazia da farinha que restava da amassadura uns bolos muito bons para dar aos filhos. O mais novo gostava tanto deles que até, apesar de crua, comia as raspas da massa pegada ao alguidar.
 Aproximava-se a noite de S. João e a moura encantada das Covas da Adiça foi sempre muito amiga de roubar limpeira os Santos Óleos aos cristãos desprevenidos. Ora a mãe do rapazinho teve de ir certo dia a Fregenal de la Sierra e deixou a criança entregue aos cuidados dos irmãos mais velhos. Estes desorientaram-se com os ninhos de perdiz e de rola e cada qual abalou por seu outeiro à procura de folguedos.
 Foi nesse momento que a moura desceu sorrateira do seu esconderijo e roubou à criança os Santos Óleos. Mas é fado da princesa ter amores com todos os cristãos a quem tira os símbolos do baptismo.
 Como a vítima era de pouca idade e não podia corresponder ao afecto da moura, esta, para não fugir ao destino, teve de canalizar a tendência para uma espécie de amor maternal. Levou o rapaz para a caverna com os mesmos cuidados como se fosse seu filho.
 Quando a mãe e os irmãos regressavam ao hortejo deram por falta d’el niño. Percorreram as redondezas em vão e o povo da aldeia julgou-o morto por alguns dos lobos ou javalis da serra (abundantes nesse tempo como atestam as Memórias Paroquiais). A mãe, porém, teve sempre a esperança de ele aparecer um dia, pois desconfiava tratar-se de uma proeza da moura. Todos mofavam dela e a espanhola, quando amassava nos sábados à tarde os tais bolos muito doces, dizia entre choro que com a ajuda daqueles bolos, de que ele tanto gostava, o havia de encontrar.
 Assim passaram anos até dezassete. Nessa altura, já todos os outros filhos eram fortes rapagões, casados e casadoiros, e que em vez dos ninhos preferiam amiudadas batidas aos lobos, desde a Adiça às mais recônditas brenhas da Serra Morena. Foi numa dessas caçadas, junto à caverna, que se esqueceram um dia do farnel. Em casa comunicaram à mãe a perca, e logo a espanhola a interpretou como um roubo praticado pelo irmão mais novo, que teria percebido o cheiro dos bolos desde a moradia da moura. De novo troçaram dela mas, pelo sim pelo não, fizeram à pressa mais bolos e levando-os para o local, dispuseram-se atrás das estevas a espreitar: viram umas mãos emergir do antro e agarrarem-se a um zambujeiro, e rapidamente um homem novo, e cheio de cabelos como um bicho, saltou para fora. Todos correram e agarraram-no. Não sabia falar, mas parecia olhar com carinho para a mulher que, debulhada em lágrimas, lhe chamava filho.
 Levaram-no para o hortejo onde houve festa de arromba. Toda a aldeia acorreu e até às povoações espanholas da fronteira chegou a notícia do aparecimento d’el niño.
 Um dia o pai do rapaz, após feliz negócio na feira de Setembro de Moura, chegou à hortazinha de Palhais com a sacola cheia de dinheiro. Despejou as moedas sobre a mesa e El Niño assim que viu o ouro, pôs-se rapidamente de pé e num gesticular desordenado dava a entender que havia muito daquele metal nas covas onde fizera forçada moradia. A nova correu, mas ninguém se atrevia a ir lá por causa da moura, que ficara enraivecida; além disso, a caverna tinha muitos compartimentos, galerias, buracos e só por acaso é que se podia dar com o tesouro. O sítio certo deste só El Niño o sabia e também só ele poderia dominar a princesa, mais triste e encantada do que nunca e agora até com desejos de se vingar.
 A espanhola, para que o filho não servisse de isca em favor do ambicioso, retirou-se com a família para Aroche e o segredo da mina morreu para sempre. O povo não esqueceu o facto, e gerações sobre gerações têm procurado insistentemente mas em vão, o sítio onde se guarda a sempre célebre Mina D’El Niño.

Source
LOPES, António Ferreira Contos e Lendas Populares e de Transmissão Oral na Serra da Adiça, in: Arquivo de Beja, vol. XIV, serie III , Câmara Municipal de Beja, 2000 , p.69-70
Place of collection
Sobral Da Adiça, MOURA, BEJA
Collector
José Fragoso de Lima (M)
Informant
Manuel de Brito (M), Sobral Da Adiça (MOURA),
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography