APL 218 Lenda de São Lourenço

São Lourenço vivia com a avó à bordinha duma estrada. Na Charrua, ali na Charrua, ali é que nasceu. Morreu o pai, morreu a mãe e ele ficou com a avó. Um dia, desapareceu o menino, não se sabia como, nem como não, nem se soube onde é qu’o menino estava, nem nada. Perdeu-se, não se sabia de maneira nenhuma onde é qu’o menino estava.
 O que aconteceu? Foi uma gente fidalga que passou no mar, e quando passaram à nossa praia e viram o menino e levaram-no. Roubaram o menino. A avó, coitadinha, chigou a rastejar a foz com umas gadanhas e cordas, a ver s’ele ‘tava lá morto. Corria a costa, a ver s’ele I’aparecia. Nunca apareceu. Anos e anos, e nunca apareceu.
 Um dia, estava ela quase pra se deitar, apareceu-le uma carruagem à porta (e ela a praga que le rogava, quando se zangava com ele: — Ah, mas arcebispo de Braga que t’eu veja! — dizia ela pra ele. Era só a praga que le rogava). E ele chigou lá e ela não o conhecia. Ela teve foi medo dele, tava cheia de medo, tava cheia de medo, com muito medo. E, depois, ele disse-le assim:
 — Ó m’nha senhora, não tenha medo! Vamos lá entrar! A senhora tem de me fazer hoje uma cama, pra eu cá dormir e tal (mas nunca disse quem era). E venho muito cansado e quero-me deitar já.
 Ela, coitadinha, foi buscar as roupas de linho que tinha mais melhores e foi fazer uma cama muito bem feita pra ele se deitar. Tava deitado há bocadinho, chamou:
 — Ó m’nha senhora, faz favor venha cá!
 Ela foi, com muito medo, muito medo, não sabia quem era. Diz ele:
 — Venha cá! Oiça lá, qu’é qu’a senhora vai fazer prà cozinha?
 — Vou fazer umas papinhas.
 — Faça também pra mim, qu’eu também quero papas!
 E fez. Quando le foi levar as papas, foi levar tudo muito arranjadinho à cama, qu’ele não s’alevantou. Vinha muito cansado, não s’alevantou. E ela foi levar-l’as papinhas e ele comeu. Tava a comer e ela foi pra dentro comer as dela.
 — Atão, porque não vem comer aqui prà pé de mim?
 Não faz mal, já tenho aqui as minhas.
 Comeu lá dentro.
 Dar’ a bocadinho, ela foi buscar o prato pra lavar a loiça, chama-a ele outra vez:
 — Ó m’nha senhora (cada vez qu’ele a chamava, pra ela era uma dor de barriga, qu’ela não o conhecia, não sabia quem era), venha cá, faz favor!
 Chigou ò pé dele:
 — Atão, a senhora nunca teve ninguém consigo aqui nesta casinha?
 — Tive. Eu tive um neto, era a alegria dos meus olhos. Desapareceu, que nunca mais o vi.
 — Ora essa! Mão e a senhora, se calhar, se o visse hoje conhecia-o e‘tava a falar co ele?
 — Ora, se conhecia! Pelo sinal que ele tem no braço!
 E ele tira o braço pra fora:
 — Será este?
 Foi quando ela viu qu’era o neto. Foi um contentamento, uma grande alegria e depois teve cá um dia e, no outro dia, levou-a pra Braga, numa carruagem.

Source
SOARES, Maria Micaela Literatura Saloia , sem editora, 1993 , p.46-47
Place of collection
Zambujeira Do Mar, ODEMIRA, BEJA
Informant
Lucinda da Conceição (F), Zambujeira Do Mar (ODEMIRA),
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography