APL 903 O bezerro de oiro
Na freguesia de Lebução, Concelho de Valpaços, conta-se uma lenda muito antiga acerca da existência, naquela terra, de um bezerro de oiro.
Perto da povoação, há um grande penedo, em forma de boina, que, por essa razão, é chamado pedra do boné. E é dentro desse penedo, a um metro de profundidade, que está escondido um valioso tesoiro, em forma de bezerro.
O conhecimento da sua existência deve-se ao livro de S. Cipriano que fala dele na página oitenta e quatro e ensina a maneira de o conseguir tirar.
Para isso, diz o livro, é necessário juntar um grupo de homens corajosos, que não saibam o que é o medo, e, ao mesmo tempo, sérios, que sejam incapazes de se rir.
Desse grupo deve fazer parte um padre, para ler uma oração em latim, que também está escrita na página oitenta e quatro do referido livro, e deve ser lida exactamente quando for meia noite.
Se essa oração for bem rezada, sem faltar qualquer palavra nem qualquer sílaba, e o penedo for aspergido com bastante água benta, e se ninguém se rir nem sentir medo, então a terra estremecerá com violência, a pedra rachará ao meio e o bezerro de oiro aparecerá.
Mas, acrescenta ainda o livro, se alguma destas condições faltar, o tesoiro ficará irremediavelmente escondido para sempre, porque a tentativa não se pode repetir. E, pior ainda, os que fizerem parte do grupo sofrerão pesado castigo pelo seu atrevimento.
Por estas razões, se o desejo de extrair o tesoiro do penedo era muito grande, o receio de falhar e de sofrer o anunciado castigo era ainda maior.
Deste modo, rolaram os séculos, sucederam-se as gerações, sem que alguém ousasse meter ombros à arriscada aventura de enfrentar o terrível Moiro que guardava ciosamente o fabuloso tesoiro da pedra do boné.
Mas um belo dia, apareceu um filho da terra que tinha tanto de valente como de ambicioso e se mostrou disposto a correr o risco, convencido de que seria capaz de conseguir apoderar-se do tesoiro.
Juntou os vizinhos e anunciou-lhes a sua determinação, afirmando que estava decidido a tentar a empresa nem que tivesse de ir sozinho.
A sua extraordinária coragem contagiou alguns deles que se mostraram dispostos a acompanhá-lo.
Faltava, porém, o padre, elemento fundamental do grupo, e sem ele nada poderiam fazer, pois, além de não saberem ler a oração em latim, não tinham a estola e a água benta, que também faziam parte das condições impostas pelo livro.
Foram então ter com o pároco da freguesia, que também não era peco e não tinha medo do Diabo, e convenceram-no a acompanhá-los.
Preveniram-se com armas de fogo e outros instrumentos de defesa, para o que desse viesse. E o padre encarregou-se de levar o livro de S. Cipriano, a estola e a água benta.
Partiram da aldeia, após o anoitecer, em segredo, para não serem seguidos por curiosos indesejáveis que iriam estragar tudo. E, quando chegaram junto do penedo, esperaram.
Quando a meia noite foi anunciada pelos galos da aldeia, que nisso eram infalíveis, o coração de todos deixou de bater e a respiração parou.
Então, o padre pôs a estola solenemente, abriu o livro na página oitenta e quatro e começou a dizer vagarosamente, para não se enganar, a oração em latim:
Petrus, petra, petrum,
Abre-te unum metrum.
Guarda tibi Mourum
E dá nobis tesourum.
A oração terminou e... nada: nem o mais ligeiro movimento nem o mais leve ruído. Todos começaram a ficar incrédulos.
Mas, quando o padre pegou no hissope, o mergulhou na caldeirinha e aspergiu os quatros cantos do penedo, parecia a fim do mundo.
A terra começou a tremer debaixo dos pés, como se fosse um terramoto; e o penedo, a rachar ruidosamente, como se fosse um trovão.
Então, tomados de pânico, sem esperar que o penedo se abrisse, largaram tudo e abalaram, como um raio, encosta abaixo, até chegarem à povoação.
Por causa disso, por não terem a coragem de esperar até ao fim, eles ficaram tolhidos para toda a vida e o tesoiro ficou perdido para sempre no interior do penedo, porque a experiência não pode ser repetida, como diz o livro de S. Cipriano na página oitenta e quatro.
- Source
- FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis , Edição do Autor, 1999 , p.24-26
- Place of collection
- Lebução, VALPAÇOS, VILA REAL