APL 2277 As Mouras Encantadas do Outeiro do Murado

 Na freguesia de Mozelos, concelho da Feira, assenta uma pequena montanha, a que se atribui o célebre conto que passo a referir. Chama-se ela Outeiro do Murado.
 E tradição muito vulgar que ali existem três pipas, cada uma com sua diferente substância. Diz-se que uma é cheia de peste, outra de azeite, e outra de ouro em pó. Todos se queriam aventurar a exumar as pipas, por via da que contém o ouro; porém, como não sabem qual seja, e receosos de que se levante a peste, não se atrevem a tanto.
 Atribui-se-lhe ainda outra celebridade. Uma vaca de certo camponês costumava ir pastar diàriamente para o dito monte, e como certo dia aparecesse em casa com a barriga bem atestada e com os úberes secos, o camponês estranhou muito a chalaça, e tratou de fazer experiência. Um dia atrás outro, a vaca fazia o mesmo. O homem um dia lembrou-se de fechar a vaca, e não a deixar ir para o monte; porém a vaca às horas costumadas mugia, urrava e saltava de desesperada. Vendo isto o campónio, disse consigo: «Deixa estar, diabo, que sempre quero ver onde tu vais!» E nisto abriu a porta, e o animal toma o caminho sabido. O dono vai-lhe na pista, quando a vaca entra por um portal ou boca de caverna: e o homem duvidoso se havia de entrar ou não. Afinal entrou. Que havia de acontecer? Vai o homem ao rabo da vaca dar a um viçoso lameiro, onde a vaca se ensacava da verdura do prado. De repente aparece uma cobra que causava espanto. O homem ficou estupefacto. O monstro lhe disse: Não temas! Deixa-me tirar o leite que preciso, e dar-te-ei uma grade de ouro». De feito deu-lhe a grade de ouro, sómente com a condição de não falar em Deus.
 E o homem, apenas se cá viu fora, de tão contente que vinha, disse assim para a vaca: «Anda lá com Deus! Com Deus tudo e sem Deus nada». Imediatamente a grade se converteu em carvões, porque quebrou-se-lhe o encanto, pois a dita cobra era a moura encantada que, segundo o povo, ali completava o seu desterro.