APL 2416 O Milagre do perdão

Há aquela história da minha mãe que eram três da manhã, em que acordou e o meu pai estava dormindo a seu lado, e estava um silêncio mortal. E a minha mãe acordou… a pessoa acorda com aquela sensação e pensa que não está nada bem. E não se ouvia nada, estava-se num silêncio, uma coisa de morte. E de um momento ao outro, a minha mãe que estava na casa da sogra dela, começou a ver um «espojinho», como é que se chama? A «joar» milho, como se estivesse «joando» milho em cima da varanda. E então aquilo durou meia hora, e aquilo não deu para acordar o meu pai. Quando aquilo desapareceu, eram quatro horas, naquele tempo ainda havia burros, agora já não há burros! Há burros mas são outros burros. Naquele tempo eram burros de quatro patas [risos], ainda havia burros em Quarteira de quatro patas. A minha mãe ouve o burro que era do meu avô, a zurrar, a torre da igreja que ainda hoje dá as horas, tocou às quatro horas da manhã e começou a ver vida. Porque a noite tem vida! Quer dizer, além de tudo, tem vida: todo aquele barulho, um grilo… a noite tem vida. Aquilo era um silêncio total, um silêncio de morte. E a minha mãe no dia seguinte, disse para a minha avó assim: «Oiça lá! Tia Laura, o que é que a senhora tem por cima da varanda?», ao que diz assim a minha avó: «Eu não tenho nada filha, em cima da varanda!», «Então mas ontem à noite, aconteceu isto assim e assim.». diz ela assim: «Olha estão ali umas escadas, sobe e vai ver o que está em cima da varanda». A minha mãe pelo sim e pelo não, foi ver. Realmente não estava nada em cima da varanda. E depois a minha mãe contou o que se passou à minha avó. E a minha avó disse-lhe: «Olha filha, eu já tenho dito isto às minhas filhas, o que se tem passado. E elas dizem que eu estou louca...». É a tal história que quando as pessoas contam e que passam por loucas. Bom, a minha mãe depois viu que tinha acontecido a mesma coisa do «joar» do milho. Mas a minha avó tinha tido lá em casa uma tia, que lhe tinha prometido qualquer coisa, já não sei se era um fio de ouro, se era um bocado de terra, olha não sei bem o que era. Sei que era qualquer coisa. E a minha avó tomou conta da tia, mas entretanto ela morreu e não deixou lá nada. Não deixou nada, mas ela ficou lá. Porque por vezes as pessoas não têm os seus dias contados na terra. Mas as pessoas têm que vir cá para… se calhar nem sabemos para o que será. Se eles vêm cá por alguma razão é. E então passados anos, mas muitos anos mesmo, uma irmã do meu pai encontrou a minha mãe e disse-lhe: «Ai meu Deus Luísa. Tu nem sabes o que me tem acontecido ultimamente!» Diz a minha mãe assim: «Então o que é que te tem acontecido?». «Olha, estou em casa deitada, parece que sinto jogarem sal para cima da varanda, e quando lá vou eu não vejo nada. Diz a minha mãe assim: «Isso não é sal! Isso é aquela história da tua mãe que eu ouvi, e que vocês chamavam a vossa mãe de parva e ao fim ao cabo está na tua casa!» E a minha mãe disse a minha tia para ir se entender para outros lados. Porque há pessoas que… uns são charlatães mas há também pessoas sérias e que são verdadeiras a fazer isso. E então acontece que a minha tia, não sei como é que ficou… não sei se ficou lá com aquilo ou se não ficou. E essa velhota, repara bem, eu tenho uma tia minha, uma irmã do meu avô que contou-me que ela estava para morrer! Ela tinha dito anos antes à minha tia, que morava ali perto, que a minha tia lhe tinha roubado um fio de ouro. A minha tia coitada pois passou-se quarenta anos depois. A minha tia velhota quando morreu, não havia ainda de morrer. A velhota só dizia: «Vitorina… Vitorina…», chamava pela minha tia. E então uma cunhada, ou seja, uma cunhada do meu pai, foi a casa dessa minha tia e disse para que ela fosse lá, para perdoar a mulher ( a que tinha dito que ela roubou). Porque ela só chamava por ela. Porque a minha tia sabia o que é que se tinha passado. E a minha tia disse-lhe à porta da casa dela: «Eu lá perto da casa dela, não vou. Ela por mim está perdoada! Agora que Deus lhe perdoe!»
Colector: Porque ela sabia que tinha feito alguma coisa.
Informante: Claro. Porque ela disse injustamente que a minha tia tinha roubado. Mentira. Porque ela era uma rapariga nova naquela altura e até hoje é uma mulher seria, uma mulher com princípios. A minha família são pessoas, prontos, se há pessoas serias nesta terra, eles também pertencem a essas pessoas. E então, a minha tia disse que lhe perdoava, mas que Deus lhe perdoasse. Quando a outra minha tia, ou seja, a cunhada do meu pai, isto são famílias separadas. Essa cunhada do meu pai quando foi para ver se a velhota estava coiso, quando lá chegou a velhota já tinha morrido.

Source
AA. VV., - Arquivo do CEAO (Recolhas Inéditas) , n/a,
Year
2008
Place of collection
Quarteira, LOULÉ, FARO
Collector
Marlon Miguel Monteiro (M)
Informant
Ana Cristina Santos (F), 45 y.o., born at Quarteira (LOULÉ),
Narrative
When
20 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography