APL 853 Os Marcos Mudados

Em tempos que lá vão, havia aqui um homem muito rico, mesmo muito rico. Ele tinha muitas propriedades, muitas terras..., campos muito grandes. Um certo dia, foi ele trabalhar para o campo maior que tinha, que pegava com o de um amigo seu. Estava ele ali a trabalhar, até que olhou para o campo do amigo mesmo ali ao lado. Foi até à extrema e, não vendo ninguém por perto, roubou uma «malha de grade direita de terra», mudando os marcos de posição.
 Fê-lo de tal maneira no segredo, que nem os filhos, nem ninguém alguma vez soube da tramóia.
 Até o próprio amigo, proprietário da leira, não deu por nada.
 Chegado a um certo tempo o homem adoeceu! Adoeceu.., chamaram-lhe o médico! Apesar de ter vindo o médico e de terem ido com ele para tudo..., ele não teve cura e morreu.
 Dali passado tempo, todos os que moravam na sua casa começaram a ouvir uns barulhos. De noite o barulho aumentava pelos telhados. Os vizinhos também começaram a ouvir os barulhos e outras coisas, e foram ter com os filhos:
 - Ai vós tende cuidado! Ide ver o que é que se passa!
 - Ai nós não vamos nada.
 - Ide ver o que é, porque pode ser o vosso pai!
 - Ah! Nós não queremos crer em nada disso!
 Entretanto adoeceu-lhes uma irmã. Foram com ela para o médico..., para aqui e para ali...Remédios, exames feitos, uma coisa e outra... Não lhe acusava nada! Mas a irmã foi indo, foi indo.., e morreu!
 Depois adoece-lhes uma vaca. Morre-lhes também! Até que um dos vizinhos, mais arrojados, foi ter com os filhos do tal homem e disse-lhes:
 - Não, tende paciência! Assim não pode ser. Nós temos que ir a algum lado saber do que se passa!
 Um dos filhos ainda lhe respondeu:
 - Oh! Eu não quero saber nada disso!
 - Não, tens de ir saber disso!
 Foi tanta a insistência do vizinho, que eles foram saber o que era. Era o pai! Perguntaram-lhe então o que é que de queria. Ao que ele respondeu:
 - Não, eu não quero nada, pois eu estou bem e não me falta nada! Há só uma coisa que eu quero. Quero que tu — virando-se para o filho — vás ao campo grande, leves a grade contigo, meças uma malha de grade, e mudes os marcos para o vizinho. Quero que faças isso porque eu roubei essa malha de terra.
 O filho ficou surpreendido:
 - Mas meu pai, você nunca nos disse nada!
 - Mas é assim... Eu já há muito que vos dei sinal! Morreu a tua irmã, morreu a vaca, e era para morrerem todos, porque vós não quisestes saber! Se não fosse o vizinho, que teimou contigo para vires ver... Vá, vai mudar essa malha de terra, porque assim eu não estou bem!
 O filho lá carregou a grade e foi para o campo cumprir o mando do pai. O amigo vizinho, dono da leira nem queria acreditar!
 - Não pode ser! O teu pai não tirou nada!
 Mas o filho não quis saber de mais histórias. Mudou a tal malha de grade de terra que o pai lhe havia dito.
 Bem se viu depois que o pai foi para onde tinha que ir, pois nunca mais se ouviu por ali qualquer barulho!

Source
CAMPELO, Álvaro Lendas do Vale do Minho , Associação de Municípios do Vale do Minho, 2002 , p.45-47
Place of collection
Moledo, CAMINHA, VIANA DO CASTELO
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography