APL 1914 Aparição
Uma família foi morar numa casa, onde apareciam coisas. Nessa família havia uma pequena de uns doze anos. Na primeira noite, que lá dormiram, parceu à pequena, no quarto onde ela dormia, uma senhora gorda, vestida de preto, que lhe passava a mão pela cara, afagando-a. A pequena pegou a gritar com medo, e a senhora disse-lhe:
— Não grites! Não tenhas medo, que eu não te faço mal. Conta o que tê digo.
Mas a pequena saltou da cama abaixo, e os pais já se vê começaram a ver o que ela tinha. Isto aconteceu mais vezes, porque obrigavam a pequena a dormir no quarto. Como por fim não pudessem convencer a pequena a ficar lá, levaram-na para a cama deles. Mesmo lá a senhora foi ter com ela, que até os pais tiveram medo, quando sentiram o peso em cima da cama, e correram a acender a luz. Quando acenderam a luz, nunca mais viram nada e tiveram de dormir toda a noite com a luz acesa.
A mãe da pequena vai a um armário, um dia de manhã, e viu lá uma cobra; e que por fim matou-a e foi deitá-la distante num barranco. No outro dia, ao voltar ao armário, apareceu-lhe a cobra morta dentro dele. Foi deitá-la ainda mais longe. No dia seguinte tornou-lhe a aparecer no armário. Pegou então numa sachola, foi fazer uma cova e enterrou-a. Foi da maneira que deixou-le de parcer.
A pequena pegou então a sonhar com a mesma dita senhora que lhe parcia, dizendo-lhe no sonho que se ela queria ser rica, que fosse à casa subterrânea e que cavasse ou pela meia-noite ou de dia pelo meio-dia e que não tivesse medo do que lhe parcesse, que havia de encontrar muito dinheiro, e que não dissesse nada a ninguém. E sonhou isto durante três noites. Donde uma tia dessa pequena sonhou o mesmo sonho as mesmas três noites. Depois a tia foi a casa da mãe da pequena, sua irmã, e contou o sonho; e a pequena, que ouviu, disse que que também sonhara as mesmas coisas.
Outra mulher, irmã mais velha da pequena, que ouviu isto, pegou numa sachola e foi cavar no chão a certas horas. Com golpes fez uma cova e encontrou muitos pedaços de ferragens. A mãe não deixou cavar mais e vendeu as ferragens.
Diziam depois que, se não contassem o sonho, o ferro que aparecia seria ouro, que ali estava encantado.
- Source
- VASCONCELLOS, J. Leite de Contos Populares e Lendas I , por ordem da universidade, 1963 , p.441-442
- Year
- 1920
- Place of collection
- Mexilhoeira Grande, PORTIMÃO, FARO