APL 3488 Nossa Senhora dos Altos Céus

Na Lousã, invoca-se a Mãe de Deus sob o título de Nossa Senhora dos Altos Céus.
    A origem e os princípios desta milagrosa Senhora, e a causa do seu título ou quem lho impôs, não se podem nem por tradições descobrir. Sabe-se apenas serem muito antigos.
    Pelos anos de 1640 houve naqueles contornos do lugar da Lousã, pelo mês de Maio, uma grande praga de gafanhotos que, onde se alojavam, não só comiam a erva mas as espigas e a cana, ficando tudo raso. À vista deste grande trabalho, recorreram os moradores da Lousã ao Céu e, para o moverem à misericórdia, lançaram sortes para escolher um advogado que por eles intercedesse e lhes alcançasse o remédio de tão grande necessidade. Saiu na sorte a Senhora dos Altos Céus, o que logo tiveram por feliz anúncio.
    E, assim, todos os moradores da Lousã fizeram votos à Senhora de lhe fazerem todos os anos uma solenidade se Ela fosse servida de os livrar daquele iminente trabalho. E para obrigarem mais a Senhora, trataram logo de dar execução à sua promessa, que havia de ser voto perpétuo. Iniciaram imediatamente uma procissão em redor da Igreja, em louvor da Senhora dos Altos Céus, para a obrigarem a alcançar-lhe o remédio que pediam.
    Acabada a procissão, passou um homem chamado Xisto Lourenço e disse para os que por ali estavam dançando, após a procissão: «Bailai, que também o gafanhoto baila sobre as vossas searas!»
    E indo ele mesmo ver um campo, a que chamavam a Folha, que não ficava muito distante do lugar, viu que o gafanhoto havia desaparecido, sem deixar feita a menor perda. Voltou todo contente e pôs-se também a bailar, incitando todos os outros para que assim o fizessem em louvor da Senhora dos Altos Céus, que lhes havia feito um tão grande favor.


    Muitos outros milagres se contam no rol da Senhora dos Altos Céus, ocorridos especialmente em situação de guerra. Um deles, segundo reza a tradição, ocorreu em 1807, quando tropas francesas de Junot, durante a primeira invasão, estiveram prestes a entrar na Lousã:
    Alguns soldados a cavalo, não se sabe se do esquadrão ou do regimento, vindos das bandas do Levante, avizinhavam-se da Lousã, onde pretendiam entrar pela banda das Lajes de Cima, junto ao ribeiro, e próximo da matriz onde então já se venerava em seu altar Nossa Senhora dos Altos Céus.
    O povo, aturdido e receoso, abandonava a aldeia às primeiras notícias da aproximação do inimigo e fora, transido de pânico, esconder-se nas sarças e penedias dos outeiros vizinhos. Um solzinho claro descia do alto, numa carícia de luz, numa bênção de calor suave, a amaciar o veludo penugento dos centeios, saídos há pouco da terra materna. De quando a quando, alguns campónios menos assustadiços saíam do esconderijo e erguiam acima dos montes ou dos buracos das lapas as cabeças a espreitar... E vai se não quando viram à volta da Lousã um nevoeiro densíssimo, cerrado como noite lôbrega, daqueles que nem palmo se vê diante do nariz. No entanto, fora daquele espesso nevoeiro que circundava toda a povoação, continuava o sol a brilhar, um solzinho claro e macio de Inverno, amaciando numa carícia de luz, numa bênção de calor, a penugem verde dos centeios.
    Já os primeiros cavaleiros franceses se avizinhavam da serração. Quiseram rompê-la, quiseram atravessar as Lajes de Cima, lisas e chás como eira de malhar, mas em vão. Aquelas rochas duras pareciam terra de grude molhada, onde as patas dos cavalos se enterravam. Por mais que os soldados espicaçassem os corcéis, não havia meio de saírem dali. Continuavam as ferraduras a enterrar-se, deixando para sempre nas Lajes a sua marca indelével. Desesperados com a inutilidade de seus esforços vãos, perdidos e tresmalhados pelos campos os mais retardatários, retrocederam os franceses, e a Lousã foi salva.
    E nas Lajes de Cima, evocando o grande milagre de Nossa Senhora dos Altos Céus, ainda hoje se vêem, e continuarão a ver, os sinais das ferraduras dos cavalos inimigos...


    Um outro milagre, passado no tempo da Guerra da Restauração, já D. João IV era rei, conta o seguinte:
    Certa ocasião, entrou um grande troço de castelhanos a arrebanhar os gados e levava grande quantidade de ovelhas e bois das vilas de Castelo Novo, Soalheira, Lardosa, Alcains, Escalos de Cima, Escalos de Baixo e Lousã. Então, as mulheres e a mais gente, que viam passar os seus bens para a posse do inimigo começarama pedir e a clamar à Senhora dos Altos Céus que lhes acudisse e valesse naquela aflição.
    É então que, junto à Mata, surgem dois grupos de cavaleiros portugueses e alguma gente dos arredores. Repentinamente, os castelhanos encheram-se de medo e terror — sem haver de quê, porque os nossos não eram nada em comparação do grande poder de gente que eles traziam, largaram a presa e fugiram, parecendo-lhes que os seguia todo o poder dos portugueses. Isto se atribui a favor, como na verdade o foi, da Senhora dos Altos Céus, por quem as mulheres clamaram lhes valesse e lhes acudisse.
    Numa outra ocasião desta guerra, estava o inimigo a tentar entrar na Lousã, as pessoas que estavam na igreja viram a Senhora dos Altos Céus a suar. O vigário, Fr. Manuel Lopes Freire, limpou-a com uma toalha. Pouco tempo depois, chegando os castelhanos junto ao reduto ou atalaia, ao passar um ribeiro que por ali corre, levantou-se um nevoeiro tão espesso, que os cavalos se recusaram a avançar.

Source
FRAZÃO, Fernanda Passinhos de Nossa Senhora - Lendário Mariano , Apenas Livros, 2006 , p.45-46
Place of collection
LOUSÃ, COIMBRA
Narrative
When
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography