APL 1269 A princesa da Atlântida e as árvores do Nordeste

No tempo em que estas terras ainda eram a Atlântida, havia uma princesa muito bela. O rei, seu pai, não queria que ela se casasse porque suspeitava que descuidaria o seu reino e, visto que não tinha outro filho, a terra ficaria desprotegida.
 Um certo dia, apareceu um corajoso cavaleiro, moço delicado e de falas mansas. A sua nobreza de sentimentos cativou a princesa da Atlântida, que se apaixonou irremediavelmente.
 Apesar de saber o sofrimento que causaria ao pai, a princesa não renunciou ao seu amor e resolveu contar-lhe tudo. Numa noite de lua cheia, dirigiu-se ao salão do palácio real, que se erguia lá para o lugar onde hoje é o Nordeste, e disse assim ao pai:
 — Senhor, meu pai e meu rei, sei que vos causarei grande dor, mas tenho de dizer-vos que pretendo renunciar ao meu reino para poder casar com o cavaleiro por quem me enamorei:
 O rei nada respondeu, mas no seu rosto apareceu uma ruga funda, que reflectia a alma cheia de ódio por aquela que tinha sido até então a filha mais amada de toda a Atlântida.
 Várias noites e dias remoeu o seu desejo de vingança e a crueldade foi tal que pediu a um feiticeiro para encantar a princesa. Com voz amarga, pediu-lhe que transformasse a bela princesa em árvore, a qual ficaria a viver para sempre no grande jardim em frente à casa onde vivia o cavaleiro.
 Assim o seu sofrimento iria lembrar-lhe a traição que tinha feito para com o seu país.
 O feiticeiro cumpriu a vontade do rei. A feitiçaria tinha tal força que o encanto não poderia ser quebrado e, se a árvore fosse cortada, o próspero reino da Atlântida seria engolido pelas águas do oceano.
 O cavaleiro enamorado, ao saber o que acontecera à amada, prostrou-se ao pé da árvore. Passou, ali muitos dias, chorando amargamente a sua infelicidade.
 A certa altura lembrou-se que, se colhesse um ramo, o poderia guardar junto ao peito para sempre e ficar assim mais unido à princesa encantada. Naquela noite de lua cheia, o cavaleiro, com todo o cuidado, tocou ao de leve com a mão no tronco rugoso e quebrou devagarinho um galho.
 Ainda não tinha terminado o gesto, quando um terrível cataclismo destruiu parte da Atlântida, ficando apenas a descoberto os pontos mais elevados do vasto continente.
 E num desses pontos, na parte nordeste da ilha de S. Miguel, onde vivia o cavaleiro e a princesa, todas as noites de lua cheia, o seu amor consuma-se e trocam juras de amor. E por isso que no Nordeste, nas noites de lua cheia, se as pessoas escutarem com atenção, ouvirão as árvores a falar e, quando a terra treme, é a princesa a soluçar de dor pelo cavaleiro e pelo seu reino destruído.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias , Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.92-93
Place of collection
Nordeste, NORDESTE, ILHA DE SÃO MIGUEL (AÇORES)
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography