APL 1250 O Arcebispo Genádio e as Sete Cidades
Há muitos, muitos anos, havia um rico fidalgo que tinha um filho mimado e conhecedor da arte de nigromancia, através da qual conseguia facilmente seduzir todas as donzelas que desejava. Passados os momentos de paixão, Genádio esquecia a jovem e partia à procura de novas aventuras. Levava uma vida de loucura e amores passageiros.
Certo dia, porém, Genádio foi ferido por uma arma na mão de um homem que quis lavar a honra de uma donzela enganada. Entre a vida e a morte, o jovem fidalgo prometeu renunciar à vida degradante que levava e tornar-se padre e anacoreta se Deus o livrasse da morte.
Assim aconteceu. Curou-se, consagrou-se ao Senhor e passou a levar vida santa, começando a dar-se milagres por sua intercessão. A sua fama galgou montanhas e chegou ao conhecimento do Papa que o nomeou bispo e pouco tempo depois arcebispo.
Por este tempo vieram pôr-lhe à porta da igreja da Sé uma linda menina recém-nascida, que foi acolhida e criada pelo arcebispo Genádio como se fosse uma princesa.
Estava-se na época em que os mouros, atravessando o Estreito de Gibraltar, invadiram a Península Ibérica e a dominaram política e religiosamente. O arcebispo Genádio não esperou muito. Reuniu os seus seis bispos, as suas gentes, preparou uma numerosa frota e fez-se ao mar, levando também a menina sua protegida para outra terra, onde pudesse manter viva a fé cristã.
Ao fim de algum tempo de viagem, por mares turbulentos, foram ter a uma ilha muito fértil, onde o arcebispo e os seis bispos fundaram cada qual a sua cidade. Nessa ilha de clima ameno, de solo fértil e campos verdejantes, iniciaram uma vida de prosperidade e desenvolveram-se sete ricas cidades
Paz, a menina criada e adorada pelo arcebispo, tinha crescido no entretanto. Era bela, meiga, sonhava com jovens cavaleiros e esperava um que a amasse. Alguns destes sonhos e esperanças eram balbuciados só em segredo às suas aias, mas mesmo assim o arcebispo soube dessas confidências. Cioso da pureza da jovem, relembrando talvez as indignidades que cometera em novo, decidiu defendê-la com todas as suas forças e poderes. O excesso de zelo ou de ciúme fez com que decidisse recorrer aos antigos conhecimentos em artes mágicas que possuía, se necessário fosse, para conseguir que a ilha se ocultasse a quem dela se aproximasse.
Certa manhã, em que os sacerdotes oravam nos templos e a vida corria com harmonia nas cidades, surgiu uma caravela com a cruz de Cristo desenhada, nas velas que se dirigiu para a ilha. Genádio, prevendo que a bordo vinha aquele por quem D. Paz se poderia apaixonar, recorreu a todos os seus poderes nigromantes. Então a formosa ilha transformou-se num enorme vulcão, as Sete Cidades precipitaram-se no abismo e ficaram submersas.
No seu lugar apenas ficou uma cratera coberta em parte por uma linda lagoa. A essa zona da ilha de S. Miguel continuou a chamar-se Sete Cidades, embora apenas lá exista agora uma pequena freguesia nas margens da lagoa.
- Source
- FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias , Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.74-75
- Place of collection
- Sete Cidades, PONTA DELGADA, ILHA DE SÃO MIGUEL (AÇORES)