APL 940 O tesoiro de dalvares
Perto da aldeia de Dalvares, do Concelho de Tarouca, existe um lugar chamado Castro Rei, porque outrora aí houve um castelo mandado construir por um rei português cujo nome a tradição já esqueceu.
É voz corrente, entre os dalvarenses, que, no sítio onde esteve o dito castelo, está escondido um valioso tesoiro constituído por um cambão e uma grade, ambos de oiro maciço.
Esse tesoiro é guardado pela princesa, que lá ficou encantada, quando o castelo foi destruído.
Quem tiver a felicidade de o descobrir ficará com o tesoiro, desencantará a princesa e casará com ela.
Mas, para que isso aconteça, é preciso sonhar com ele três noites seguidas e depois ir lá com um cavalo de pão, à meia noite, sozinho, e sem dizer nada a ninguém.
Ora, em tempos que já lá vão, houve um homem da aldeia que teve a dita de sonhar com o referido tesoiro as três vezes seguidas.
Todo feliz da vida, a esfregar as mãos de contente, dirigiu-se à padaria mais próxima e pediu que lhe preparassem um pão, com a forma dum cavalo, com todos os respectivos arreios.
No dia seguinte, foi buscá-lo, levou-o para casa e escondeu-o cuidadosamente debaixo da cama, sem dizer nada à mulher, para não estragar o negócio, e foi para o trabalho.
Mas a mulher, quando entrou no quarto, sentiu um cheirinho a pão fresco e não descansou, enquanto não descobriu donde vinha o cheiro.
Ao ver aquele estranho pão em figura de cavalo, ficou muito admirada e exclamou:
- Hum! Que rico cheirinho! O que o meu marido se lembrou de me trazer! Vou provar um bocadinho, enquanto está fresco.
Dito e feito. Foi-se a ele, cortou-lhe uma pata e comeu-a. Depois, tornou a colocá-lo no sítio onde estava e entregou-se à lida caseira, a cantarolar: obrigado, maridinho, por trazeres o cavalinho.
Naquele preciso momento, chegou o marido, que, ao ouvir as palavras da mulher, desconfiou logo que estava o caldo entornado.
Correu imediatamente ao quarto, pegou no pão e viu a suspeita confirmada: faltava a pata esquerda do cavalo. E agora? — resmungou, só para ele...
Mas, embora profundamente irritado, não disse nada à mulher, para evitar perguntas indiscretas que poderiam deitar tudo a perder. Dissimulou a sua irritação e fez de conta que não deu por nada.
Ao cair da noite, pegou no pão, meteu-o no bornal, disse à mulher que não ceava, porque tinha um assunto muito importante a resolver, e saiu.
Andou algum tempo pelos campos a fazer horas e, quando a hora se aproximava, dirigiu-se para o Monte de Castro Rei. Chegou lá exactamente à meia noite. Tirou o pão do bornal e ficou sem pinta de sangue, ao ver que ele se tinha transformado num verdadeiro cavalo que se pôs a andar, mas coxeando da pata que lhe faltava.
Nesse momento, sem ver ninguém, ouviu uma voz magoada:
- Trouxeste-me um cavalo manco, dobraste-me o encanto. Agora, tenho de esperar o dobro do tempo para poder ser desencantada.
E lá continuou a infeliz princesa encantada, à espera duma nova oportunidade e com ela ficou também a grade e o cambão de oiro maciço.
E o pobre do homem voltou para casa, desiludido e triste, por ver ir os seus sonhos por água abaixo.
Mas os dalvarenses não perderam as esperanças de encontrar o tesoiro. Só esperam, ansiosos, que passe o tempo, para que outra pessoa sonhe com ele três noites seguidas e o possa desenterrar.
E, como já decorrerem muitos anos, desde que falhou a primeira tentativa, acreditam que isso poderá acontecer muito brevemente.
- Source
- FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis , Edição do Autor, 1999 , p.148-149
- Place of collection
- Dálvares, TAROUCA, VISEU