APL 1582 Os Mouros de Castro Marim (Miscelânea)

De remota data corre entre o povo a lenda de um mouro encantado no próprio castelo. É riquíssimo este mouro, diz a lenda, e muita gente o tem visto, alta noite, a vaguear pelos muros arruinados da vila. Diz que este mouro em tempos antigos fizera feliz uma família, mas ignora-se completamente que qualidade de serviços essa família prestara, que ali dera origem à liberalidade do mouro.
Diz-se também que em uma horta próximo da vila, no sítio da Espargosa, à entrada de Castro Marim, estava encantado um mouro num sapo.
    O sapo foi visto por muita gente da vila, mas, em certa ocasião, desapareceu, dizendo-se então que fora morto, e por isso terminara o seu encantamento.
    No mesmo sítio e na mesma horta têm sido vistas à meia noite em ponto algumas mouras; e ao meio dia em pino essas mouras costumam pentear os seus cabelos louros com pentes de ébano, com embutidos de ouro.
    No Arco da Aroeira, à beira do caminho para uma fazenda, que em tempo pertenceu à falecida D. Ana Victória Faísca, têm aparecido à meia noite e ao meio dia mouros e mouras encantadas. Nos Campos da Fábrica passou-se em tempos um caso que deu muito que falar nos sítios circunvizinhos e até na própria vila. A falecida D. Ana era uma senhora muito animosa. Montava na sua mula e ia à fazenda sem medo nem receio. Diz-se que costumava andar sempre armada de um punhal. Em certa noite, estava nas casas da sua fazenda, sentiu que alguém andava sobre o telhado. Saiu imediatamente à rua e encontrou-se com um vulto, que lhe pareceu homem. Avançou para ele, atirou-lhe algumas vezes o seu punhal, mas o vulto desapareceu por encanto. Voltou para casa e apesar de se não ter sentido agarrada, tinha o corpo moído como se tivesse sido espancada. Este fado pareceu-lhe tão extraordinário, que começou a pensar nele, caindo de cama, onde se conservou por muito tempo, bastante doente. Nunca mais aquela senhora ousou sair fora de sua casa, de noite. Tudo lhe inspirava terror. As suas faculdades mentais sofreram muitíssimo.
    Como toda a gente afirmava que naquela fazenda estava encantado um mouro, começou-se a espalhar que a senhora ocultava parte do caso; e por isso afirmava-se que tendo-lhe sido proposto pelo mouro o seu desencanto, seguir-se-ia uma luta que a senhora devera ter com um bicho feroz, fora vencida na luta e perdera por isso as riquezas prometidas.
    Negou ela sempre que o caso se passasse como era contado pelo povo, mas não negava que tivera efectivamente uma luta com um ser desconhecido, que evidentemente deveria ficar ferido, embora no dia seguinte não se encontrasse no campo da luta sinais de sangue.
    Quase ao mesmo tempo começou-se a ouvir falar nas Vargens de Belixe uns ais lamentosos ao meio-dia, que causavam pavor. Muita gente da vila correu ao sítio a averiguar do caso, e voltou de lá profundamente comovida e horrorizada. Ouviam-se os ais, como saídos debaixo dos pés, e todavia não se via ninguém!
    Alguns daqueles sítios ficam entre Castro Marim e o Azinhal.
    Fala-se muito em Castro Marim de uma lenda em que figuravam nove mouros encantados. Um amiga muito especial a quem incumbi de descobrir a urdidura da lenda, apesar de toda a sua boa vontade, não pôde apurá-la. Foi esquecida como muitas em outras povoações do Algarve. Diz-se que, para o esquecimento ali das lendas, muito contribuiram os frades. Não sei que acção praticada por eles poderia influir no seu esquecimento. Poderia suceder que os frades trabalhassem em tirar da cabeça dos crentes as ideias que estes tiveram acerca da veracidade de tais lendas, mas estes esforços mais deveriam ter influído no seu não desaparecimento. Em regra as perseguições produzem contrário efeito.

Source
OLIVEIRA, Francisco Xavier d'Ataíde As Mouras Encantadas e os Encantamentos do Algarve , Notícias de Loulé, 1996 [1898] , p.199-202
Place of collection
Castro Marim, CASTRO MARIM, FARO
Narrative
When
19 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography