APL 1881 O Pego Escuro
Na ribeira que atravessa a freguesia de S. Bartholomeu de Messines, pelo lado da serra ha um pego, grande e fundo, cujas aguas se apresentam sempre com uma côr azul escuro, muito carregado. Por isso o povo lhe deu o nome de Pego Escuro, e este mesmo nome designa uma certa área de terreno em redôr do Pego.
Conta-se que nos principios do seculo passado morava nas proximidades do Pego Escuro um lavrador, que possuia muito gado, tendo diversos criados ao seu serviço. Um d’elles estava encarregado de guardar as vaccas. Foi o guardador em certa noite em procura de uma vacca que se safara da alpendurada e viu que, horas depois, a vacca entrava no estabulo muito farta. O guardador, sem prevenir o patrão, resolveu espreitar a vacca nas noites seguintes. Repetiu-se a scena: a vacca desprendia-se da mangedoura, sahia, e voltava horas depois, muito farta. Então resolveu-se seguil-a, avisando préviamente o patrão. Viram ambos que a vacca se dirigia ao Pego e logo a agua se dividia, e a vacca desapparecia no seio das aguas. Nas noites seguintes era sómente o patrão quem vigiava a vacca, e na terceira noite ouviu elle, quando o animal sahia do Pego uma voz dizer:
— Ahi tens a tua vacca pejada. D’aqui a pouco tempo parirá dois bezerros; um estrelado e o outro moirato. No fim de um anno junge-os ao arado e tra-los a este pego. E’ preciso que ninguem veja o leite da vacca emquanto criar os bezerrinhos.
O dono ouviu e calou-se.
Tempos depois a vacca pariu dois bezerrinhos e o dono prohibiu que a mulher e os criados vissem o leite da vacca emquanto os bezerrinhos mamassem.
Os criados obedeceram, mas a mulher do lavrador, na primeira occasião, ordenhou a vacca, viu o leite, algum do qual, com a pressa, lhe cahiu sôbre as mãos. Ella então limpou as mãos ao pello do bezerro moirato.
Logo que os bezerrinhos fizeram um anno, o dono lançou-lhes a canga e jungiu-os ao arado. Chegou junto do Pêgo e a agua abriu-se. Lá no fundo viu o dono os bezerros darem uma volta e a chapa do arado encravar-se n’uma grande caixa, cheia de dinheiro em ouro. Ao mesmo tempo ouviu uma voz:
— Força, moirato, força moirato.
O bezerro moirato fraquejou.
Então ouviu a mesma voz:
— Ah! ladrão! Dobraste-me o encanto. Perdeste o dinheiro. Alguem viu o leite da vacca.
Efíectivamente os bezerros não poderam sair do Pego e o dono retirou-se, triste e apoquentado, para sua casa. Soube então que a curiosidade de sua mulher fôra a unica razão de elle não ficar riquissimo.
- Source
- OLIVEIRA, Francisco Xavier d'Ataíde Contos Tradicionaes do Algarve, Vol. II , Typographia Universal, 1905 , p.266-268
- Place of collection
- São Bartolomeu De Messines, SILVES, FARO