APL 1566 Casos Modernos em Loulé
É notável a série de casos narrados pelos contemporâneos relativos às mouras ou mouros aparecidos em tempos modernos e que são aduzidos pelos que acreditam em mouras encantadas.
Apontarei alguns:
Há menos de cinquenta anos, residia nesta vila um cavalheiro do norte, então dono da Quinta do Pombal, nas proximidades da Fonte das Romeirinhas e da Fonte da Moura, subúrbios desta vila. Este cavalheiro costumava recolher cedo à sua quinta; numa ocasião, porém, descuidou-se na vila e recolheu tarde. Quando chegou próximo da portada do seu prédio deu meia noite no sino do relógio da vila. Ao correr do ferrolho da portada viu sobre a parede da Quinta uma mulher vestida de branco.
— Quem está lá? interrogou em voz alta.
A mulher não respondeu.
— Quem está lá? instou em voz mais alta.
O mesmo silêncio.
Então à cavalheiro colocou a clavina de que andava sempre acompanhado, em condições de fazer fogo, e ao mesmo tempo correu com força o ferrolho. Neste momento sentiu forte pancada na cabeça e caiu sem sentidos.
O que depois se passou entre o cavalheiro e a mulher ninguém sabe afirmar, nem o cavalheiro contou. Sabe-se que de aí em diante andou sempre triste, morrendo pouco tempo depois.
E digam que as mouras encantadas são seres imaginários...
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Numa noite de Agosto certo artista desta vila, já falecido, tomou o caminho da casa de seu pai, em Vale de Cães, seguindo a estrada, que sai em frente da igreja de Santa Ana, em cujas proximidades a tradição afirma estar encantada uma moura. Teria o artista dado uns cem passos, viu na sua frente uma cabra. Era meia noite. O nosso homem, supondo que fosse algum animal tresmalhado do rebanho, quis agarrar a cabrinha, mas esta escapou-se ligeira como a gazela. Aborrecido e intrigado com os movimentos ligeiros do animal quis fazer uso de uma bengala, dando-lhe uma pancada; a cabra, porém, fez-lhe frente e dos seus olhos saíram dois fachos de luz radiante como dois archotes em ala. Então conheceu o artista que tinha na sua presença uma moura encantada, que costumava por ali aparecer segundo ouvira dizer a seus avós.
Pernas para que te quero. Pôs-se de corrida para casa do pai, e foi cair entre portas, exausto de forças e sem poder articular palavra.
Felizmente acudiram-lhe a tempo.
Nunca mais o artista por ali passou a desoras, e até morrer contou esta história a centenas de pessoas.
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Em um sítio, nas proximidades da Fonte Cássima, estavam umas mulheres alta noite e à lua fazendo empreita às suas portas. À ultima badalada da meia noite viram distintamente na rua fronteira uma criança de gorro encarnado que brincava correndo e voltando pela mesma rua. Era de verão, tempo em que os lavradores têm os almeixares, onde secam o figo. Supuseram por isso as mulheres que era alguma criança dos almeixares próximos, que de noite são guardados por algumas famílias do atrevimento dos ladrões. A criança porém repetia os seus passeios e tantas vezes que imaginaram que andasse perdida. Uma das mulheres chamou pela criança, mas esta não acudiu ao chamamento. Então ergueu-se e foi em direcção do menino. Este desapareceu instantaneamente como o fumo.
Foi tão grande o susto que a mulher e as suas companheiras apanharam com o repentino e inexplicável desaparecimento da criança que recolheram às suas casas, fechando por dentro as portas.
No dia seguinte todos unanimemente afirmavam que era um mourinho encantado a criança que lhes aparecera.
Nunca mais foram vistas a fazer empreita às horas adiantadas da noite, embora no verão.
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Anos depois do facto ultimamente contado, estavam algumas mulheres em outro sítio fazendo baracinha com que costumavam cerrar e coser a empreita, seria quase meia noite, viram que de longe se dirigia para elas pela estrada um homem. Era estranho o modo por que caminhava: os meios de locomoção a mão e a perna direitas. Parava de vez em quando e dava com a mão três pancadas secas e rijas no solo.
As mulheres recolheram temerosas às suas casas e fecharam-se por dentro à chave. Uma, mais ousada, pôs-se a espreitar pelo buraco da fechadura e viu que o homem parou em frente da sua porta, deu os três estalos com a mão e desapareceu instantaneamente sem que a mulher visse o destino que tomara. O relógio da vila acabava de dar a meia noite.
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Em certa noite de verão, saiu certo rapaz da vila e dirigiu-se a casa da sua namorada, onde havia baile. Era um domingo. Ao sair da vila, pela rua, onde actualmente mora um sujeito, que trabalha em louça de barro, deparou-se-lhe um touro preto, que o quis acometer. O rapaz ficou assustado, porque naquela rua tortuosa e estreita, não tinha por onde se escapar.
Mais adiante e quase em frente de uma fonte de alvenaria, por onde passa a água que corre para o Cadouço, o touro parou e voltou-se para o rapaz na atitude de o querer novamente acometer.
Mais assustado, o rapaz deu um enorme grito e disse em voz alta:
— Valha-me a Nossa Senhora da Piedade!
O touro recuou e foi cair dentro da fonte, dando um enorme mugido.
O rapaz então voltou para a vila e recolheu-se à cama de onde não mais se ergueu.
Era um mouro encantado em touro, diziam todos os que tiveram conhecimento de um fado realmente tão extraordinário.
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Dava meia noite na ocasião em que um sujeito, já falecido, passava sob o arco da Senhora do Pilar, arco este que noutra época fixa uma das portas do castelo desta vila. O indivíduo sentiu bater-lhe o coração à última pancada do relógio.
De repente viu-se ele no centro de um rebanho de perús com o seu monco escarlate. Inspirado de um mau pensamento pensou que podia facilmente roubar um ou dois perús a seu salvo e sem que ninguém o visse. Correu em direcção do melhor perú, que se lhe escapava ardilmente. Por fim já não escolhia, atirava-se ao que estava mais perto. Nada conseguiu: os perús escapavam-se-lhe. Deixou-os e dirigiu-se para sua casa.
No dia seguinte, uma pessoa, que mora ainda na Rua da Corredoura, chamou o sujeito.
— O que me quer?
— Dar-lhe os parabéns: livrou-se ontem à noite de um desastre.
— Não compreendo...
— Julgava que corria atrás de perús... e enganava-se.
— Brincadeira minha...
— Uma brincadeira que lhe podia ser fatal. Julgou que eram perús e enganou-se.
— Então o que eram?
— Mouros encantados. Dirigiam-se para a grande sala, que se acha sete varas abaixo do prédio de D. Victória Faísca.
- Source
- OLIVEIRA, Francisco Xavier d'Ataíde As Mouras Encantadas e os Encantamentos do Algarve , Notícias de Loulé, 1996 [1898] , p.87-90
- Place of collection
- LOULÉ, FARO