APL 1307 A ilha de S. Brandão
Decorria o último quartel do século quinze e a ilha Terceira começava a povoar-se. Muitas pessoas então acreditavam que, algures no Atlântico, ficava a maravilhosa ilha de S. Brandão, o Paraíso.
Maria, uma jovem terceirense, bondosa e bela, tinha também ouvido falar da história de S. Brandão a um franciscano e, nos serões da sua casa de campo, doutrinava as pessoas rudes e analfabetas, rezava com elas o terço, acabando sempre a devoção com uma oração a S. Brandão.
Por essa altura, chegou à ilha Terceira Vital Dieudonné de Gozou, um jovem que saíra de Rodes para as Baleares e dali para os Açores, em busca da ilha de S. Brandão. Era aspirante a cavaleiro de Rodes e trazia bordada no seu gibão a divisa: “Pela fé”.
Maria e Vital viram-se e apaixonaram-se. O jovem dividiu com a sua dama as relíquias de S. Brandão que trazia ao peito, herdadas de seu avô, e, timidamente, perguntou-lhe se ela lhe correspondia no amor. Mas Maria, talvez receosa do que lhes podia acontecer, respondeu em voz doce e comovida:
— Para te falar do meu amor preciso de estar a sós contigo, onde só Deus nos veja.
Poucas outras vezes se encontraram porque, entretanto, o filho do capitão donatário da ilha Terceira tinha-se apaixonado por Maria e pediu-a em casamento. A jovem, que já tinha entregue o seu coração, recusou o pedido e, como castigo, foi mandada encerrar no quarto mais alto do castelo de S. Luís.
Porém o tempo de clausura e sofrimento não durou muito porque um súbito tremor de terra fez abater o recanto do castelo em que a tinham fechado. No momento em que Maria caía da janela que se desmoronava, dois anjos, transformados em pombas, levaram-na sobre as asas abertas.
A jovem estava maravilhada por não se ter despedaçado na queda, mas também por ver para onde a conduziam, sobre as casas, as árvores, o mar. A vila e a ilha iam ficando para trás e Maria perguntou:
— Lindos Anjos, o Paraíso é ainda muito longe?
— As relíquias de S. Brandão que levas garantem-te o céu, que não fica longe daqui — respondeu um dos Anjos.
Já se via por entre uma bruma azulada um grande bosque, dois rios que corriam mansamente, ladeados de choupos e salgueiros. O jardineiro, S. Brandão, tinha tudo muito limpo. Os rouxinóis entoavam melodias próprias do Céu. Um dos Anjos disse:
— Chegamos, finalmente. Eis o jardim das delícias.
Maria deixou as asas dos Anjos e foi conduzida ao seio dos escolhidos do Senhor por um Querubim.
Lá longe, na Terceira, Vital estava muito infeliz pela morte de Maria e a ilha não tinha já para ele qualquer beleza. Só pensava em voltar a vê-la e embarcou, agora ainda mais decidido, à procura da ilha de S. Brandão, onde sabia que Maria devia estar.
Muitos dias e noites viajou pelo oceano, até que, numa tarde, enxergou no horizonte uma ilha.
Inesperadamente a luz do sol deu lugar à noite, as nuvens tomaram uma cor de chumbo, a superfície das águas escureceu medonhamente. De repente um jacto de luz inundou o espaço enlutado e, subitamente, o barco ficou atracado ao cais com que Vital tantas vezes sonhara.
Como cume da felicidade, ali estava Maria, sorridente e de braços abertos, dizendo-lhe em voz divina:
— Para te falar do meu amor precisava estar a sós contigo, onde só Deus nos visse. Enfim, podemos falar livremente.
Estavam os dois juntos na ilha de S. Brandão ou Paraíso para gozar a felicidade.
- Source
- FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias , Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.136-137
- Place of collection
- Angra (Sé), ANGRA DO HEROÍSMO, ILHA TERCEIRA (AÇORES)