APL 283 Lenda de casal da torre
Existiu outrora em Casal da Torre, freguesia de Currelos, concelho de Carregal do Sal, uma casa de fidalgos junto da qual, e pertencente à mesma, existia uma torre a que davam o nome de «Torreão».
Na referida casa morava uma senhora, D. Branca de Viana, casada com um fidalgo, que diziam ser de muito mau génio e propensa a muitas atrocidades.
Conta a lenda que nesse tempo toda a mulher que tivesse dois filhos gémeos, tal não poderia ser fruto de um só homem.
Aconteceu que, um dia, D. Branca engravidou e teve dois gémeos. Como ela sabia da historieta, logo teve que providenciar qualquer coisa para resolver o assunto. Chamou, então, o criado, pegou num dos seus filhos gémeos e ordenou-lhe que levasse a criança e a deitasse ao Rio Mondego. E, para se certificar que o criado obedecia à sua ordem pediu que cortasse a língua ao bebé e que lha trouxesse, O criado, correspondendo ao pedido de D. Branca, logo se empenhou em praticar aquela atrocidade.
A caminho do rio o criado encontrou, por mera coincidência, o fidalgo, seu senhor, que andava no exercício da caça, há já alguns dias consecutivos sem ir a casa, que lhe perguntou o que é que ele ia fazer com uma criança recém-nascida para um sítio daqueles. O criado muito a custo, devido à promessa que tinha feito a D. Branca, contou o sucedido.
Então, o fidalgo pegou na criança e levou-a até à casa de um moleiro que vivia junto ao rio e pediu-lhe que ficasse com ela. Tudo isto deveria ficar em segredo entre o criado, o fidalgo e o moleiro. Após isto, e para que D. Branca não viesse a suspeitar de nada, o fidalgo matou um cão dos que trazia na caça, cortou-lhe a língua que entregou ao criado para a ir entregar à sua senhora, cumprindo assim o que havia prometido.
A partir daí, e durante o desenrolar dos anos, o fidalgo tratava da mesma maneira os dois filhos, tanto o que vivia com eles como o que vivia em casa do moleiro.
Nesse tempo havia, anualmente, uma grande festa em honra do Espírito Santo, na capela que ficava junto da casa de D. Branca. Ninguém faltava a essa festa. Para este dia festivo, o fidalgo comprou um fato novo para cada um dos filhos e pediu ao moleiro que não faltasse à festa e que levasse o menino. E assim aconteceu.
Estando D. Branca à janela de sua casa qual não foi o seu espanto ao ver o filho do moleiro vestido da mesma maneira que o seu e, virando-se para o marido lhe deu conta do que observou. O marido retorquiu-lhe que o que ela achava é que o filho do moleiro era muito parecido com o seu. D. Branca ficou muito atrapalhada mas mesmo assim respondeu-lhe: Credo! O filho do moleiro parecido com o nosso!?...
O fidalgo não se conseguiu conter e contou à esposa verberando, mesmo não sendo seu hábito, toda a história acerca do filho do moleiro. Ela, depois de tamanho choque, cai no chão sem vida.
Conta-se ainda que, depois de todos os actos de malvadez que praticou durante toda a sua vida, a sua alma e o seu corpo foram para as profundezas do Inferno, pois o seu corpo até desapareceu do caixão onde foi colocado. Há quem diga que depois da sua morte, e durante muitos anos, durante a noite e em determinado lugar se sentiam soprar ventos fortes e se ouviam vozes bradando: - «Que D. Branca vá para o Inferno com todos os demónios que existem no mundo».
Segundo outra versão, D. Branca andava vestida de branco pelas margens do Mondego, no sítio onde tinha mandado matar o filho, acompanhada de um diabo em forma de cão.
- Source
- ALVES, Maria da Piedade Lopes Memória e Tradições , DREC - CAEV coord. concelhia de Carregal do Sal, 1995 , p.23-24
- Place of collection
- Currelos, CARREGAL DO SAL, VISEU