APL 1356 A moira encantada
Antigamente, em S. Jorge, não se podia trabalhar ao domingo. Cumpria-se o preceito religioso que diz ser o domingo o dia de descanso e, por isso, no primeiro dia da semana só se fazia o indispensável: ordenhava-se as vacas, dava-se muda aos gados. O resto do dia era para ir à missa, visitar familiares, descer às Fajãs e gozar o prazer da pesca, da apanha das lapas ou de uma merenda à beira-mar.
Ora uma certa vez, uma família da Fajã Grande, por qualquer razão, aproveitou o domingo para debulhar trigo. Nem tempo houve para ir à igreja nesse dia.
Logo de manhã foram para a eira estender o trigo para o deixar a secar ao sol abrasador dos princípios de Agosto. Pelas dez horas já o trigo estava estaladiço e começou a debulha. Os bois, num passo lento e ritmado, iam espezinhando as espigas maduras o que fazia soltar o grão da palha. Uma escrava moira tocava os bois, enquanto os homens revolviam a palha, juntavam o grão para sacos ou desmanchavam mais algumas mancheias.
A eira ficava mesmo à beira-mar, onde hoje é o parque desportivo da Calheta, e o calor ali era ainda mais forte. O suor banhava o rosto das pessoas e escorria pelo dorso possante dos bois. Ninguém se dava ao descanso.
Chegou, por fim, o meio-dia. A fome já apertava e todos foram a casa comer. Na eira só ficou a escrava moira a tomar conta dos bois.
Uma hora depois todos voltaram à eira para retomar o trabalho: tinham que acabar de debulhar e, ainda, se fizesse um ventinho favorável iam joeirar e aventejar o trigo para separar os grãos de pequenos pedaços de palha ou outras, impurezas.
Ao chegarem à eira não encontraram ninguém. A moira e os bois tinham desaparecido e, apesar de os procurarem, nunca mais apareceram nem podiam aparecer porque tinham sido encantados, como castigo pelo abuso de estarem a trabalhar ao domingo.
- Source
- FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias , Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.192-193
- Place of collection
- Calheta, CALHETA DE SÃO JORGE, ILHA DE SÃO JORGE (AÇORES)