APL 3605 [O cristão, o mouro e a Senhora do Nazo] versão A
Em certo tempo um homem destes sítios [povoação da Póvoa, concelho de Miranda do Douro] estava cativo pelos mouros em Argel, e com tanto rigor o tratavam que, apesar de o terem sempre guardado com sentinela à vista, ainda o traziam preso com fortes grilhões de ferro, e à noite era fechado dentro de uma arca para isso apropriada. Em cima da arca dormia o mouro que o guardava.
E, em uma noite que implorava a Nossa Senhora do Nazo que o livrasse de tão penoso cativeiro, com tanta fé lhe pediu que nessa mesma noite, de madrugada, apareceu à porta deste templo tal qual estava no cativeiro, isto é, ainda preso com as correntes de ferro, dentro da arca, e o mouro a dormir em cima.
Era Domingo ou dia de festa, e o mouro acordou surpreendido com o repicar dos sinos, e vendo-se em terra estranha e desconhecida, soltou logo o cristão e pediu-lhe que lhe não fizesse mal.
O cristão não era muito inimigo do mouro, apesar de o ter tido por guarda de cativeiro, ainda assim, por castigo, lhe mandou abrir um poço, ao pé do templo. O mouro pôs logo mãos à obra com tanta felicidade, que a pequena fundura deu óptima água, da qual se conserva sempre cheio, tanto de Verão como de Inverno, o que é realmente uma providência para o povo, porque esta parte do planalto é muito falta de água, e alguma que aparece é tirada de cisternas e reservatórios.
Por fim o cristão e mouro, depois de se demorarem aqui alguns dias, desapareceram, deixando os grilhões e a arca de memória à Senhora. E certo é que ainda hoje, nos dias de romaria, ali se acham expostos ao público uns grossos grilhões de ferro, que dizem ser os mesmos da lenda, e a arca desapareceu corrompida com o decorrer dos anos — dizem os habitantes da freguesia.
- Source
- PARAFITA, Alexandre A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros , Gailivro, 2006 , p.260-261
- Year
- 1908
- Place of collection
- Póvoa, MIRANDA DO DOURO, BRAGANÇA
- Collector
- José Manuel Pereira (M)