APL 2246 Inês Negra

Os Castelhanos tinham-nos tomado a maior parte das povoações fortificadas do Alto Minho; porém, o valor dos Portugueses os tinha feito capitular a quase todos e só Melgaço estava a favor de Castela. Era seu governador ou alcaide-mor. Álvaro Pais Sotto-Maior, castelhano, o qual, tendo de guarnição trezentos infantes e trezentos cavalos, porfiava na resistência. D. João I pôs cerco a Melgaço e havia 10 dias que o assédio durava sem outra consequência mais do que escaramuças, que nada decidiam. Então o rei português mandou edificar um castelo de madeira, que ficasse a cavaleiro das muralhas, cuja construção levou 20 dias. Os cercados, receando o assalto, deram sinal de armistício e foi à praça João Fernandes Pacheco; porém, Alvaro Pais propunha tais condições que nada conseguiu. O rei mandou activar os preparativos do assalto, jurando que ele próprio o comandaria.
 Dentro da praça havia uma mulher muito valente, parcial dos Castelhanos, que renegara sua pátria, pois era daqui mesmo natural.
 Sabendo ela que no arraial dos Portugueses estava uma sua conterrânea, ousada e valorosa como ela, a mandou desafiar a um combate singular.
 Inês Negra (a desafiada) aceitou o repto e dirigiu-se logo para o ponto designado, que era a meia distância do arraial da vila. Já lá estava a arrenegada, (como então se dizia) e o combate começou encarniçado, terrível e desesperado, como duas viragos, ferindo-se com as mãos, unhas e dentes, depois de partirem as armas de que vieram munidas (ignorando-se que armas fossem). A agressora ficou debaixo e teve de retirar para a vila, corrida, ferida e quase sem cabelo, «levando nos focinhos muitas nódoas das punhados da de fora», que ficou vitoriosa. Os Portugueses fizeram grande algazarra aos Castelhanos. No dia seguinte era a praça dos Portugueses e Inês Negra, cercada de besteiros, estava no alto da plataforma, onde o pendão das Quinas ondeava ovante, no mastro em que na véspera se ostentava orgulhosa a bandeira dos leões e torres de Castela, e dizia no seu transporte de alegria:
 — Mas vencemos-te! Tornaste ao nosso poder! És do Rei de Portugal.
 Em 1807 repetiram-se as brilhantes acções dos habitantes de Melgaço, e desta vez sem que houvesse mulher ou homem que atraiçoasse a honra pátria.
 Desta antiga vila á hoje quase nada resta, porque Melgaço possui muitas edificações modernas, largos, algumas ruas, um magnífico hospital, casa de escola, etc..

Source
VASCONCELLOS, J. Leite de Contos Populares e Lendas II , por ordem da universidade, 1966 , p.687-688
Year
1899
Place of collection
MELGAÇO, VIANA DO CASTELO
Narrative
When
14 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography