APL 920 Os sinos trocados
Na mesma aldeia de Ribalonga, referida na lenda anterior, nasceu outra lenda relacionada com o sino da sua igreja.
Segundo essa lenda, o sino tinha um som tão afinadinho e harmonioso que dava gosto ouvi-lo e tocá-lo.
Nos baptizados, casamentos, missas e funerais, os rapazes da terra andavam sempre a despique, a ver quem lá chegava primeiro, para terem o prazer de o tocar.
Quando chegavam ao cimo da torre, agarravam-se à corda e puxavam, puxavam, até conseguirem virá-lo. E, quando o conseguiam, sentiam-se vaidosos, pois nem todos eram capazes de tal proeza, devido ao seu grande peso.
Assim maltratado, farto de tanto badalar, o velho sino começou a abrir fendas e entrou a desafinar, que era uma dor de ouvidos.
Por coincidência bastante curiosa, aconteceu o mesmo com o da freguesia vizinha de Carlão.
Então, as duas freguesias resolveram levá-los a Braga, conjuntamente, para aí serem devidamente reparados. Mas esqueceram-se dum pormenor muito importante: a sua referenciação, para que pudessem ser facilmente identificados, já que eram absolutamente iguaizinhos.
Terminado o conserto, trouxeram-nos de volta e procederam à sua instalação nos respectivos campanários.
Mas, quando começaram a tocá-los, para verificar a afinação, ficaram muito surpreendidos, porque o som não era igual ao primitivo.
O sino da Ribalonga parecia dizer: Carlão... Carlão... Carlão...
E o de Carlão parecia responder: Ribalonga... Ribalonga... Ribalonga...
Só então reconheceram que tinha havido uma troca de sinos: o de Carlão tinha ficado em Ribalonga e o de Ribalonga tinha ido parar a Carlão.
Houve, por isso, violenta discussão acerca do lamentável qui pro quo e sobre a maneira de remediar aquela embaraçosa situação.
Uns, mais intransigentes e bairristas, diziam:
- Desfaz-se o engano. Nós queremos o nosso sino.
Outros, porém, mais conciliadores e práticos, retorquiam:
- Pra quê essa trabalheira? Deixa-se estar o que está. No fim de contas, mais som, menos som, o serviço é o mesmo.
Por fim, acabou por prevalecer a opinião destes últimos e ficou tudo como estava.
Os sinos é que nunca se conformaram e continuaram a clamar pela sua querida terra.
O de Ribalonga a dizer: Carlão... Carlão... Carlão...
E o de Carlão a responder: Ribalonga... Ribalonga... Ribalonga...
- Source
- FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis , Edição do Autor, 1999 , p.82-83
- Place of collection
- Ribalonga, ALIJÓ, VILA REAL